Um presente de Natal para Saramago

Nas minhas voltas atempadas pelo Chiado na procura do presente mais indicado de Natal para dar ao meu amigo José Saramago, estava sem saber por onde começar. Tinha que escolher bem, pois sei que ele é pessoa que aprecia algo bem pensado.
Acabei as minhas voltas sem nada de realmente interessante para lhe dar e eu sou um bocado assim, se não vejo nada interessante, não compro a primeira coisa que me aparece à frente.
Não gosto que o Natal seja uma ocasião para se gastar só por gastar, e lembro-me de uma mãe dum antigo meu aluno me dizer que na família eram todos Testemunhas de Jeová e que não alinhavam no espírito consumista do Natal. Dou-lhe inteira razão, é uma oportunidade para se gastar, ou uma oportunidade para se viver num espírito - espírito que é o verdadeiro espírito de Natal - praticando os valores da amizade, da comunhão, da família ?
Enfim nessa minha volta pelo Chiado, não encontrara nada e ía já pela rua Garret para o Parque do Camões, quando deito o olho às bancas de vendedores de livros usados que, ao fim-de-semana se estabelecem ali ao lado da Igreja dos Mártires. Gosto de vadiar um pouco por essas bancas e mexer nos livros que mais me despertam interesse.
Um livro despertou-me a curiosidade. De Graham Greene e intitulado "Monsignor Quixote". Óptimo preço: 3 euros. É fantástico como certos livros, talvez não muito badalados e de temas se calhar pouco na moda (muitos deles de ordem espiritual) conseguem ser tão baratos nestes sítios. Um dia, em Sintra, comprei cerca de 20 livros, todos por 1 euro (havia um que era a correspondência de exílio de Marcello Caetano com o historiador Veríssimo Serrão - um que o meu amigo José Saramago não apreciaria - , outro que era justamente a propósito, um livro de contos de Graham Greene...).
Mas voltando à história do livro que comprei de Graham Greene, "Monsignor Quixote", levei-o para casa e, nessa tarde de Domingo, instalei-me muito confortavelmente na minha sala a lê-lo.
Que delícia... um padre católico que parte em viagem com o alcaide da terra onde ambos viviam, El Toboso, um alcaide comunista. Padre que se chama Quixote, alcaide que se chama Sancho. No velho Seat de Quixote - El Rocinante - atravessam, na senda da famosa epopeia de Cervantes, uma Espanha cheia ainda de referências franquistas. Aí debatem, acompanhados de boa vinhaça, as suas fés e as suas dúvidas. E descobrem que as suas dúvidas os aproximam.
Neste tempo de preparação para o Natal gostava de oferecer ao meu amigo Saramago esta pérola que descobri neste passeio pelo Chiado. Só não sei, se ele, por o motivo ser o Natal - e a questão abordada na Bíblia - recusará o meu presente.
Mas se ele se lembrar da nossa velha amizade certamente que não recusará - e os amigos aceitam as crenças dos seus amigos. Não será essa aliás uma condição para a verdadeira amizade? Ou somos todos carneiros que pensamos da mesma maneira? Os carneiros que Sancho, o alcaide comunista, tanto brincava ser a imagem dos cristãos?!
Aceita José a minha oferta! Vais-te divertir a valer! Tira esse ar da cara e ri-te um bocado comigo! Não é tão melhor uma gargalhada?! O facto de ser Quixote o cristão e Sancho o comunista não tem nada de depreciativo. Por mim tanto poderia ser o contrário, e desde já te desafio meu caro, a escreveres um livro com tanta graça em que seja Quixote o comunista e Sancho o cristão! Quem sabe daqui a uns 30 anos os meus filhos se passeiem pelo Chiado, numa tarde de Domingo como eu, e vejam aí, tal como eu vi, um livro muito engraçado intitulado "Quixote de L' Anzarote e Frei Sancho", de Jose Saramago e o levem para uma tarde bem divertida?

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