Crescer o que é?
Esta aprendizagem (daquilo que para nós mais faz sentido) é uma aprendizagem difícil. Porque para seguirmos o que mais faz sentido para nós, é muito importante que nos conheçamos. E o conhecimento de nós é sempre uma questão aberta. Houve tempos em que achei que poderia ser advogado - sou-o na realidade... Quis tirar o curso de Direito: estudar processo civil era entrar num mundo novo para mim (não tive pai, avô ou antecedentes familiares de advogados).
Nesta aprendizagem do que somos os outros são muito importantes: eles dão-nos feedbacks daquilo que somos. Dizem-nos que abordamos determinada coisa com "mestria", "habilidade" ou não e vão contando a nossa história. E podem ajudar-nos a viver as coisas de uma melhor forma.
Há dois dias pensava que se tivesse tido a sorte de ter melhores amigos na Universidade (hoje trabalho com o Bernardo e tem sido um prazer), talvez tivesse gostado mais do curso. Porque poder conviver com uma companhia que nos torna o trabalho interessante, mais leve, é uma grande ajuda.
Viver sozinho é mau. Nós precisamos do contacto com os outros, da compreensão e, até, da cumplicidade dos outros.
É muitíssimo importante a amizade: encontrar outros eus nos outros; pessoas que gostem de nós; pessoas com quem nos possamos abrir. Abrir-nos com os outros. Contar o que sentimos, as nossas dúvidas.
Quem é que conhece os nossos sonhos, as nossas intenções mais profundas? Se não partilhar será difícil viver. Quem nos conhece verdadeiramente como somos por dentro?
Admiro por exemplo o modo como Salvador Mendes de Almeida se dá a conhecer de uma forma tão aberta no seu livro "Salvador".
Transparência. É quase uma inocência de criança. Mas uma inocência forte que não guarda muralhas, que se apresenta com simplicidade. Ser simples.
Tudo isto vai formar o grande magma que é, afinal, a liberdade. Tem muito de afectivo. Tem muito de nos sentirmos bem na nossa pele. De nos sentirmos seguros. Amados.
Comentários
À medida que ia lendo este testemunho foi inevitável não fazer um conjunto de associações (uma constante em mim) que me levaram a rever alguns momentos da minha vida... Mas “parei” nesta importância de vivermos enquanto Pessoas, como alguém que se relaciona permanentemente com o outro, que cresce, descobre, partilha e dá… Esta troca, entrega, tantas vezes numa dádiva de complementaridade; fascina-me… MESMO!
Como diria um Professor meu de Filosofia, que nunca esquecerei, viemos ao mundo para “sermos nos outros”; fugindo do perigo de nos fecharmos no tão fácil e frágil mundo daquilo que somos enquanto Indivíduos. “Somos indivíduos em permanente relação, logo somos Pessoas” – gritava tantas vezes como quem pretende preservar e garantir esta difícil missão…
Lembrei-me de todo o percurso enquanto estudante (que espero que não tenha ficado por aqui), das dúvidas vocacionais; sim, porque eu "fugi" de Direito, de Jornalismo e de Artes; talvez pelo peso de ter tido um Avô Juiz, tios advogados e Pais "artistas". Sentia-me bem em todas "essas águas", mas nenhuma delas me levava à minha "ilha final" e para desgosto de muitos tirei, por completo, essas possibilidades do meu caminho. E mais uma vez , no meu pensamento, surgiram palavras de um Professor, aparentemente directivo mas que nos transmitiu o mais importante : como é que chegamos a nós? Quem somos nós? Como se retiram a múltiplas máscaras que criámos ao longo dos tempos e nos vemos como somos; na nossa essência, na nossa excelência? Como é que se vive tudo isto sem sair do eixo, sem cair em utopias que nos afastam do mundo e dos outros?
Lembrei-me de alguns dos sonhos que fui construindo e realizando, e principalmente, de todas aquelas pessoas que passaram, viveram e, algumas, permaneceram na minha vida. Como disse no seu testemunho, são elas que vão revelando e descodificando cada bocadinho daquilo que somos... é com elas que crescemos, sonhamos , vivemos e, com elas, existirá sempre esta reciprocidade que nos marca, nos toca e também esta vai tocando e marcando os que passam pela nossa vida.
Nas palavras de Coelho Rosa, procuro transmitir um bocadinho deste “mistério” de uma vocação onde todos os dias nos é pedida esta entrega incondicional e desmedida ao “outro” e que, sem repararmos, se torna numa forma de viver a totalidade da nossa vida: “O “Eu” só é na medida em que se expõe à relação do outro. Por isso é que não podemos deixar de ser educadores, isto é, aqueles que fazem os outros ser, que os devolvem à verdade e ao desenvolvimento de si mesmos, sem o qual nem seriamos nós mesmos. O Amor do outro, de todos os outros, Deus, Homens, árvores, bichos, pedras, é a única maneira de sermos nós mesmos. ”
(...)
E como é importante Educarmos nesta perspectiva de aprender a estar só, num tempo em que andamos a fugir de nós próprios; que nos escondemos em abstracções criadas a partir de falsos preenchimentos que tantas vezes levam o Ser Humano a um vazio silencioso e de uma profunda solidão.
Como disse no seu testemunho e não conseguindo desassociar de uma letra antiga de amigos meus "é o SERMOS SIMPLES, é pôr a vasta alma em curtos versos, e nos nossos caminhos, de passos incertos..." nunca esquecendo esta dádiva que nos é dada todos os dias a vermos, conhecermos, estarmos, partilharmos e vivermos com o “outro” e que, tantas vezes, ignoramos, por incapacidade, por falta de tempo, por medo de nos entregarmos, por nos fecharmos no “quentinho” da nossa confortável concha.
E porque este comentário já vai longo (o que também é característica minha, que procuro “combater”) queria deixar uma frase de alguém que nunca “conheci pessoalmente” mas como tantos “outros”, entrou na minha vida e me ajudou, e ajuda, a Crescer… a primeira vez que a li ainda era Criança mas guardei-a sempre comigo; como “fórmula” de ver, estar e sentir cada um que passa pela minha vida…
“Cada um que passa na nossa vida passa sozinho… Porque cada pessoa é única para nós, e nenhuma substitui a outra. Cada um que passa na nossa vida passa sozinho, mas não vai só… Leva um pouco de nós mesmos e deixa-nos um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada. Há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada. Esta é a mais bela realidade da vida… A prova tremenda de que cada um é importante e que ninguém se aproxima do outro por acaso…” (Saint-Exupéry)
Obrigada pelos "bocadinhos" que já foi deixando na minha vida a partir deste blog...
“Tudo isto vai formar o grande magma que é, afinal, a liberdade. Tem muito de afectivo. Tem muito de nos sentirmos bem na nossa pele. De nos sentirmos seguros. Amados.”