Divor amigo



Peço-te desculpa Divor. És o cão mais bonito e simpático que já tive. Tu e o Chaparro, que Deus já lá tem.
Peço-te desculpa por te ligar tão pouco. Tu merecias mais da minha parte.
Tens uns olhos nobres. Calmos. Tu és tranquilo.
Como é que eu não tenho tempo para ti? Porque é que ninguém te liga? Porque és tão mal amado?
Sinto uma pena imensa. Sinto que poderias ser mais feliz. Gostava de ser o dono que tu sonhavas. O dono que sonhavas que irias ter quando pequeno chegaste no dia dos meus anos.
O tempo foi passando. E eu sem dar por isso. Ainda me lembro quando estava contigo de me ires tocar com o focinho na porta por fora, pelo jardim, nessa altura já eu tão distraído de ti e mais preocupado em tantas outras coisas. Em estudar sobretudo. Mas era mais não ter tempo interior para ti. Porque se estivesse feliz com a vida teria tempo para apreciar-te e para brincar contigo. Quem não é feliz não é sensível à ternura dum cão que lhe batevà porta. Quem vive ansioso nas aflições da vida, não pára para dar uma festinha num cão que chama por si.
Ensina-me Divor essa tua calma. Ensina-me Divor a amar. A amar como tu, que amas com um entusiasmo emerecido. Com essa paz interior. Com esses olhos de leão. O leão tem esses olhos nobres, profundos, serenos. E não é fraco. Antes pelo contrário: é o mais forte de todos.
És feliz?
Quando te vir novamente no Tojal terei tempo para ti. Irei estar pelo menos 10 minutos contigo a dar-te festas e a brincar contigo à bola!

Comentários

Maria disse…
Já escreveu este testemunho há algum tempo… eu li-o e identifiquei-me com esta “carta aberta” ao Divor… Na altura não comentei, talvez porque só a sua leitura tenha sido o suficiente… Mas hoje reli-o e com alguma nostalgia, lembrei-me da Maria Café, que também chegou a minha casa nos meus anos…

Eras uma bola de pelo preta… Acabada de chegar de Vila Real de Trás-os-Montes, depois de semanas intensivas de um intercâmbio sobre modelos pedagógicos e ver-te no meu jardim, rodeada de quatro importantes Amigas minhas, foi inexplicável… foi perceber que aos 24 anos podemos ser surpreendidos como uma criança…

Lembro-me de rir, de olhar para a Teresa e com os olhos brilhantes, comovidos e ansiosos pela obvia confirmação dizer: “Não acredito. É mesmo minha?” Elas riam-se, falavam das aventuras que tinham passado, quando te foram buscar aos armazéns dos Cafés Herédia, no Rossio… E tu, redonda, preta, cheia de energia, cheia de vontade de descobrir cada bocadinho daquele jardim; tinhas dois meses e eu, naquele momento, acabada de chegar a Lisboa, cheia de malas e experiências novas para contar, só conseguia pensar… “É MINHA! ÉS MESMO MINHA!”

As “madrinhas” deram-te o nome “Café” porque toda tu cheiravas a Café… e eu que dizia que se um dia tivesse um cão seria Sexta-Feira, pelas minhas boas memórias do aventureiro Robinson Crusoe. No final da noite tínhamos o teu nome: Maria Café de Sexta-Feira, por coincidência dia em que chegaste lá a casa. As cinco tratámos de ti como um bebé… foi uma noite memorável…

Chegaste à minha vida numa fase difícil… e como foste uma verdadeira companheira; os passeios, as tardes passadas no alpendre da cozinha, sentada nas escadas; as festas que te dava e que tu nem te mexias… sempre foste dengosa, mimada… mas o que mais me cativou em ti foi esse teu olhar sereno, talvez um pouco triste e silencioso… um olhar que acalma, que me faz pensar o que tu Café estás a pensar… toda tu és calma… acho-te profunda…
Maria disse…
Os tempos foram passando e eu chegava a casa, nas correrias de sempre… é bom lembrar-me da companhia que nos fizeste em tantas noitadas nos tempos da faculdade… meia sonolenta espreitavas para dentro do Atelier e ficavas ali como quem acompanha alguém; em silêncio mas com a tua presença, que todos dizem ser muito característica… até a Inês gostava daqueles momentos…

É difícil não gostar de ti Café, toda tu “chamas”… acho que hoje, ninguém lá em casa, até mesmo o Francisco sabe viver sem a tua presença… uma presença serena, silenciosa, que apenas olha por nós; apenas quer sentir-nos… para ti isso basta… essa foi uma grande lição que aprendi contigo: apesar do tempo que os outros têm para nós, nós devemos estar lá, saber receber o que cada um nos dá sem exigir ou cobrar mais e mais…

Agora que já não estou em casa, que apenas te vejo em curtos flashes rápidos e fugazes, quero que saibas, que nunca esquecerei o primeiro dia em que te vi; os primeiros passeios; o primeiro banho; a tua primeira ida ao veterinário; aquela noite de temporal em que estávamos as duas sozinhas em casa e te abri a porta da cozinha, porque tu tremias de medo e de frio... todos os presentes trazidos de cada viagem…

Já era crescidinha quando chegaste à minha vida… mas foram muitos os momentos em que me soube entregar a ti, à tua forma de me chamares dando-me festinhas, rosando-te na porta, ou apenas ficando ali, no tapete, com a cabeça sobre as patas, com o olhar fixado em mim, enquanto eu passava tardes, noites, dias no computador…

Ninguém entendeu o porquê, mas deixei-te com aqueles que te vão dar o que tu mais gostas… tempo, mimo… a viveres comigo podias ter espaço; mas são tantas as vezes em que saio cedo e chego depois das onze… com quem ias ficar Café, para quem ias olhar; quem te ia dar esse tempo que tu, uma cadela labrador, tanto “exiges”… Deixei-te com “humanos” que tu escolheste, em especial com um, com quem tens uma relação, que apesar de não invejar, sempre foi superior a mim… acho que tem muito de experiências, de rotinas de dia, de tempos, que neste momento não tenho para te dar…

Eu sei que sentes a minha falta, vê-se na forma agitada como reages sempre que me vez… como a forma como me olhas… isso Maria Café de Sexta-Feira, vai ser sempre o que me vai ligar a ti… esses olhos que sentem, que captam, que reagem, com tal expressão humana, que em alguns momentos me fazem confusão… e tudo o que partilhei contigo… mais do que muitos humanos, tu soubeste “estar lá”, soubeste estar ali sem “grandes frases”, sem grandes conversas… apenas estar… Obrigada Sexta-Feira… para os “outros” serás sempre Café, para alguns és conhecida por Maria Café… para mim serás sempre a Sexta-Feira, que numa sexta-feira dos meus anos, me mostrou que muitos dos nossos sonhos, muitas vezes chegam mais tarde, mas chegam sempre…

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