Pedagogia no Património


No passado Sábado levei um antigo meu professor e amigo a visitar Sintra, algo que estava prometido desde que, há cerca de 15 anos, eu deixara o Colégio Planalto para ingressar na Faculdade. Estive a pensar no que seria mais marcante e significativo em Sintra, deixando de parte o que ele e a sua Mulher já conheciam bem.
Tivemos a sorte de ter um dia lindo, com muita luz e de não muito calor, algo que ultimamente tem sido difícil por Sintra, em que o cacete que tantos do outro lado da Serra – Estoril e Cascais – tanto vincam nas suas referências a Sintra...
No Largo do Palácio da Vila não pude deixar de voltar a apontar, com alguma mágoa que, desaparecera, tal qual bruma encantada que se dissipa, aquele apontamento romântico de que Sintra é mister: aquele chaletzinho que se encaixava no topo deste edifício. Deteoradíssimo há anos, que pena não ter sido recuperado…
Mas, voltemos ao Largo do Palácio, e dando entrada naquele simpatiquíssima “casa”, duma escala convidativa e duma beleza que se encontra em cada um dos seus pormenores e que escolhemos para o início da nossa visita: as janelas cheias de luz do átrio de entrada, aquela Sala dos Cisnes toda pintada em presente a uma Infanta de Portugal e a deitar sobre a Serra e a Vila, aquele pátio fresco e a lembrar-nos a sua herança árabe, os azulejos hispâno-árabes espalhados pelas salas e corredores, a Sala das Naus, a lindíssima Capela, as cozinhas com aquela chaminé… É mesmo um encanto esta “casa”!
Mas depois, fazendo a Estrada Velha fomos até à Eugaria, almoçar no jardim dos meus pais.
Pelas 15h30 fizemos o percurso de volta à Vila e tinhamos como objectivo visitarmos Monserrate. Tinha sido essa a opção: a Regaleira já eles a conheciam; o Palácio da Pena também. E a opção tinha sido a Estrada Velha: Monserrate e Seteais, recentemente reabilitado.Como sintrense, tenho orgulho no que se tem feito em Sintra.
Desde que saí do Planalto, há cerca de 15 anos, quantos avanços…
Há 15 anos, o Parque da Pena metia dó… tudo abandonado, as estufas partidas, o matagal abundante…Hoje, continuo a passear de bicicleta pela Serra. E constantemente sou surpreendido: são os muros reparados, são os caminhos arranjados com escoamento para as águas pluviais, são os portões novos (no outro dia, dos Capuchos até à rampa da Pena, não deixei de reparar nos novos portões do Parque da Pena).
Monserrate é uma pérola que estava escondida por uma concha muito fechada e difícil de abrir. Com muito esforço, abnegação e amor de alguns começou-se há cerca de 15 anos a trabalhar.
Hoje Monserrate é uma pérola que já brilha! Limpo, com sinalização, com um trabalho feito com saber e método.O estado tão aflitivo em que estava o Palácio, e que muito diriam irreversível para uma ruína, está a dar lugar a uma recuperação dos estuques, da biblioteca de madeira… O trabalho das instalações técnicas, nos “downstairs” é notável.
Mas o que me surpreende sobremaneira é o prestar-se contas e a maneira exemplar como o fazem: Os Parques de Sintra Monte da Lua, que é quem gere diferentes patrimónios da Serra, são uma empresa de capitais públicos, gerem o que é de todos. Mas em vez de o fazerem, como é tão frequente, de um modo distante e arrogante – e mesmo secreto, fazem-no de um modo aberto à comunidade, dando a conhecer o trabalho que estão a desenvolver, os projectos que têm. E isto julgo que é uma forma rigorosa – quase diria que é tributária de uma ideia de República de que se comemoram agora os 100 anos – mas, ao mesmo tempo, não deixa de ser também uma forma de envolver os cidadãos na defesa do Património e de pedagogia na recuperação e amor ao nosso Património.~
Hoje há exemplos que temos que referenciar: Monserrate, a Pena, a Regaleira, os Capuchos onde se tem feito um excelente trabalho. E alguns também de gestão autárquica: apraz-me o estado bonito e cuidado do Parque da Liberdade (Parque Valenças).
Penso que o meu professor e a sua Mulher gostaram muito deste passeio por Sintra. Monserrate valeu mesmo uma visita prolongada e Seteais ficou para a próxima.

Convido todos a irem ver com os seus próprios olhos o "talant de bien faire" que hoje se nota em Sintra!

Comentários

Maria disse…
Passear por Sintra, nem que seja por alguns instantes é contemplativo… Porquê? Porque é nestes momentos simples, que vemos e sentimos esta união entre a Natureza e o Homem… Uma “formula” quase perfeita, onde a Natureza nos “engole”, nos petrifica, nos transforma…

«E, a passo, o breque foi penetrando sob as árvores do Ramalhão. Com a paz das grandes sombras, envolvia-os pouco a pouco uma lenta e embaladora sussurração de ramagens e como o difuso e vago murmúrio de águas correntes. Os muros estavam cobertos de heras e de musgos: através da folhagem, faiscavam longas flechas de sol...». (Eça de Queirós)

É com este, aparentemente, simples paragrafo que José Maria Eça de Queirós, nos descreve a inebriante “entrada” em Sintra, um fresco diferente de todos os outros; um conjunto de estanhos e característicos sons, que levam a entrar, num paralelo possível de inúmeras sensações, que ao experimentarmos, nos atiram para um mar de emoções novas, revividas e vividas, vezes sem conta…

Nem todos são chamados e atraídos, por esta Serra, nem todos se sentem confortáveis nesta Natureza ostensiva, mas crua e genuína; nem todos se apaixonam e se entregam a uma magnitude simples e discreta… que está ali e se deixa sentir… até mesmo num domingo de Julho, em frente ao Palácio da Vila, repleto de turistas e excursões… Toda ela se manifesta no enquadramento que lhe é tão característico , na envolvência tão particular, que nos eleva a uma contemplação maior, de quem se sente pequeno, perante tal e tamanha grandeza…

Como é que, no sussurro de uma neblina, te fazes tão grande? Como é que, no silencio interrompido e húmido, te manifestas com tamanha clareza?
… e a Serra não responde! Ou será que somos nós que não a ouvimos?!...

Concentra tamanha riqueza em si, que difícil é enumerar, tudo o que nos pode dar… palácios, castelos, conventos… que nos narram e ilustram História, a nossa História, sobreposta e refeita em acrescentos, em tapeçarias, em simples e discretos azulejos, em imponentes pinturas, estatuas, em tectos de caixotes, pintados à centenas de anos e que ainda hoje perduram… em jardins seculares com arvores ornamentais que nos deixam perplexos com tamanha harmonia e conjugação, de uma Natureza virgem, que comunga com uma Natureza pensada, e eleita pelo Homem… nada se perde nesta Serra… tudo se transforma, tudo se adapta, tudo procura crescer com o vigor e beleza a que todos estamos habituados…

… entender esta conjugação maior, entre as mãos do Homem e a Natureza é participar e assistir a um entendimento, a um respeito, a um envolvimento que existe, e é necessário que exista… lembro-me de uma capela em Monserrate, que já em ruínas permanece ali, rodeada de árvores que a envolvem, que aos nossos olhos a sustentam, a enaltecem, e que nesta união tão simples a tornam ainda mais bonita. É impressionante como a História procura coexistir com o Homem e como o Homem nem sempre está desperto para este momentos…

Devemos “treinar” o olhar para o que nos rodeia, devemos dar significado ao que vemos, não devemos ter medo ou fugir dos locais que produzem em nos, novas sensações e emoções… E é nosso dever, Educar nesta vertente… Uma vertente não apenas preocupada com a preservação, o que é realmente importante nos tempos que correm, mas irmos mais longe…
Maria disse…
Como nos diz Blaise Pascal, é fundamental que o Ser Humano se sinta, parte intrínseca desta Natureza, que esta seja estrutura, seja equilíbrio…

“ A primeira coisa que se oferece ao homem ao contemplar-se a si próprio, é seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa a fixá-la dentro de seus justos limites, precisa compará-la a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Não se detenha, pois, a olhar para os objectos que o cercam, simplesmente, mas contemple a natureza inteira na sua alta e plena majestosidade (…) Que o homem, voltado para si próprio, considere o que ele é diante do que existe; que se encare como um ser extraviado neste pequeno sector da natureza, e que da pequena cela onde se acha preso, do universo, aprenda a avaliar em seu valor exacto a terra, os reinos, as cidades e ele próprio. Que é um homem diante do infinito? ” (Pascal)

… e tudo isto cresce em nós… transforma-nos e eleva-nos, tornando-se parte vital da pessoa que somos, influenciando a nossa forma de estar, de viver… “contagiando” os que entram e permanecem na nossa vida… talvez nos falte, viver a plenitude desta “pedagogia”, nas nossas Crianças… que elas sejam chamadas a conhecer, a experimentar, a olhar, a contemplar, a respeitar, a conviver e coexistir com tamanha dadiva que nos foi dada, e tantas e tantas vezes menosprezamos , desrespeitamos, ignoramos e corrompemos…

… quero-te assim, intemporal, misteriosa, apaixonante, inspiradora, dona de uma beleza pura, genuína, a meus olhos monumental e perfeita… que sejas sempre a mesma Serra, aquela que foi refugio de tantos reis, rainhas, príncipes e princesas, e de tantos outros que fizeram história… que foi quadro para tantos amores, possíveis e impossíveis… que foi e continua a ser inspiração para tantos artistas, uns mais conhecidos, outros anónimos mas que em ti se entregaram e entregam, na procura de uma inspiração maior, e que a extravasaram e ainda hoje extravasam, das mais variáveis formas…

Porque todos te olham, te tocam, te experimentam, mas nem todos te vêm, te sentem e te contemplam… que a mão do homem, que te enaltece, não te destrua… permanece… e que eu te saiba ver, sentir, respeitar… que eu saiba olhar-te nos invernos chuvosos, frios onde toda tu és imponente e magnifica, que eu saiba desfrutar dos tempos de sol… onde em ti me refresco, na densa vegetação que me envolve…

… que tal como os meus Pais, sempre fizeram, também eu te saiba revelar aos outros, principalmente, aos mais pequenos, que em ti encontram um vasto e amplo mundo de possibilidades…

… tantas brincadeiras fiz no Castelo dos Mouros, tanto sonhei e imaginei no Palácio da Pena… és um lugar “mágico”… tantos passeios, tantas aventuras, tantos dias repletos e cheios… tantos retiros e refúgios… tanto, tanto, ainda há para dizer e escrever sobre ti…
Maria disse…
… E as férias chegaram e com elas o bom e necessário TEMPO para os Amigos que nem sempre vemos, com quem nem sempre estamos… mas que Amamos e temos SEMPRE no nosso coração… e esses encontros trazem sempre surpresas…

… ontem recebi a boa noticia de mais um Amigo, que de forma radical, digo radical porque vai mesmo à raiz, à origem, à base, deixa tudo e segue sem medo Aquele que todos os dias olha por nós e nos ama incondicionalmente.

Entre risadas nervosas e partilhas, de quem quer dar o máximo do que tem, apenas porque em si já não cabe tanto… tem de extravasar… tem que sair e ser dado aos outros, foi-me entregue um papel já marcado pelo uso, vincado por tantas vezes ter sido dobrado…

… e, ao me ter sido entregue esse, aparente papel velho, foi-me dito: “(…) que agora ele te ajude como me ajudou a mim… sinto, que para além de já o saber de cor, também já não preciso dele (…)” e aquele papel velho, quase desfeito ficou na minha mão…

No meio de muito barulho e agitação, abri-o, e dentro de mim encontrei o silencio necessário para o ler… Dizia:

“ Não há nada mais prático do que encontrar a Deus;
do que amá-Lo de um modo absoluto, até ao fim.
Aquilo por que estejas enamorado
e arrebate a tua imaginação, afectará tudo.
Determinará o que te há-de fazer levantar de manhã
e o que farás dos teus finais de tarde;
como passarás os fins de semana,
o que irás ler e quem deverás conhecer;
o que te partirá o coração e o que te encherá
de espanto, alegria e gratidão.
Enamora-te, permanece enamorado,
e isso decidirá o resto! “

Padre Arrupe sj

… no final, tive vontade de voltar a abraçar aquele Amigo e agradecer o papel velho e gasto, que em si traz tanta verdade… mas ele já não estava ali… tinha deixado o mais importante…

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