Ser

Cansado de mim, cansado de discursos auto-justificantes. Cansado de imagens de mim, cansado das imagens que se colam a mim nos reflexos de mim.
Porque não podemos simplesmente ser?
Porque apesar de tudo o que existe são sentimentos, sentimentos que temos e que não são justos ou injustos. Existem por si. Podem ser injustificados, mas existem.
Ser simplesmente; mas que se deturpa pelos olhares que sobre nós incidem, mas também pela interpretação que deles fazemos.
Porque temos medo de ser quem somos?
Porque temos medo de perder o que temos?

Se verdadeiramente pensasse que não há que ter medo...
Se verdadeiramente vivesse sem medo de não ser rico, poderoso, famoso.
Se verdadeiramente vivesse livre.
Livre.
Para dizer o que penso.
Para fazer o que quero.
Para não fazer o que não quero.
O medo é uma ilusão.
Iludimo-nos porque coisas estranhas colam-se a nós.
Somos fracos.
Fracos porque vivemos dos prestígios e não do nosso amor-próprio.
Se me valorizasse, se visse que eu sou único.
Que a minha vida é a "minha vida".
Que o sucesso da minha vida é ser eu próprio.
Que os outros podem não estar certos.
Que quem está certo sou eu, porque eu sei o que quero de mim.
Que os outros falam, mas eu é que devo falar sobre a minha vida.
E se quiser não tenho que falar.
E se quiser posso mandar calar o outro.
E que posso trilhar um caminho solitário, e às vezes é assim mesmo.
E que devo sempre conseguir respirar sobre as sentenças dos outros.
E que devo sempre conseguir seguir em frente.
E que por vezes o compromisso é seguir sozinho.
Infelizmente, mas também felizmente para meu bem.

Comentários

Maria disse…
Porque não podemos simplesmente ser?
Frase curiosa… “simplesmente ser”… talvez o mais difícil a que somos chamados, acredito que sim, que é um caminho desafiante, por vezes comprido, mas que é nele que envolvemos e embaraçamos a nossa verdadeira missão de vida…

O nosso coração tem sede de “coisas” grandes, “coisas” autenticas, verdadeiras, intensas… que olhando para esta pergunta, levam-nos exactamente a este pequeno e imenso ponto, o de simplesmente ser…

Todos temos múltiplas teorias… mas a verdade é que poucos chegam a esta verdade maior de quem se liberta, pouco a pouco, dos “pesos” que traz na sua vida, dos hábitos, dos comodismos, dos facilitismos, das ilusões, da carga dos papeis e estatutos sociais… e aos pouco vai havendo uma transformação gradual, nem sempre lógica, nem sempre fácil, mas que é caminho e por ser caminho vai dando fruto e isso é bom…

Ser simplesmente aquilo que somos, implica autenticidade, conhecimento de nós próprios, e isso só é possível na nossa relação com os outros, connosco próprios e com Deus.

Encontrar a nossa essência, sentir e viver a nossa vocação, trilhar e desbravar o caminho para que fomos feitos, nunca será fácil, e a mim as histórias de vida da Humanidade confortam-me e dão-me todos os dias esperança, que é possível, que não é irracional, nem utópico. A nossa natureza chama-nos para este “desejar coisas grandes”, este romper com os nossos limites e encontrarmo-nos na nossa excelência máxima, naquilo que somos verdadeiramente, naquilo que damos ao mundo e desejamos incessantemente; este simplesmente ser, que chega a esta simplicidade trilhando caminhos irregulares, inconstantes, difíceis, que muitas vezes nos puxam, nos levam para fora de nós…

Não há que temer este “descarrilar de vida”, há sim que ter força e determinação para o identificar e superar… Porquê? Porque só assim é que se cresce, só assim é que nos libertamos das “poeiras” do mundo, um mundo que a toda a hora nos julga, nos cobra, nos atinge, nos seduz… faz parte, esse é o seu papel… Condenar, dizer mal, julgar, não é caminho… olhar com misericórdia, caridade, muito espírito de sacrifício e tentarmos todos os dias dar o nosso melhor…
Maria disse…
Dizia-nos Santa Teresa de Jesus que “(…) um dia sem sofrimento é um dia perdido”. Fujo do sofrimento em vão, do masoquismo , mas aprendi que só se cresce com sofrimento, a ultrapassar pequenos, médios e grandes obstáculos… por isso um dia passado sem a “corda” esticar, nem que seja um bocadinho, é um dia em que não houve crescimento… normalmente esses dias acabam com uma brutal sensação de vazio, onde nada se conquistou, para nenhum lugar se avançou… acredito que nesta vontade maior de simplesmente ser, devemos procurar e desejar ardentemente este sofrimento que nem sempre nos leva à dor, nem sempre nos leva ao desespero, apenas puxa por nós, mostra-nos até onde ainda podemos ir, tira-nos do conforto em que nos instalamos… é bom, tem significado, tem um objectivo maior e isso faz toda a diferença.

Para se Ser, verdadeiramente, é necessário saber sentir, interpelar, ouvir o nosso coração, não apenas aquilo que queremos ouvir e viver… TUDO!!! Todos os dias não ter medo de perguntar: “Com que coração estou aqui?” e mais do que perguntar, não ter medo de ouvir as respostas, de as sentir, de tantas vezes as descodificar…

O que nos é pedido, não é que construamos um paralelo secreto, ao qual só nós temos acesso, se um simplesmente ser, que apenas alguns conhecem e têm privilégio de viver… o que nos é pedido é que cada um de nós viva o real, o autentico, o verdadeiro, da sua vida; com radicalidade, com verdade, procurando sempre mais… um mais que não é quantitativo, não está nas nossas contas bancárias, nas nossas propriedades, no “status” que todos desejamos… está em nós, na forma como AGARRAMOS a vida, a cultivamos, a regamos, e os frutos que daí nascem… MEDO?! Certamente todos temos… mas o que está para além do medo é tão grande, que o medo se torna pequeno e damos por nós com uma força que julgávamos não ter… e sentir estas transformações na nossa vida é sentir e integrar que tudo tem um sentido maior, que ultrapassa as nossas queridas e poderosas Sociedades Capitalistas, os nossos conceituados Governantes, atrevo-me a dizer a doce acutilante Humanidade em geral.

ESTA EXPERIÊNCIA, NÃO É PARA ALGUNS! É PARA TODOS!
Maria disse…
Porque temos medo de ser quem somos?
Porque temos medo de perder o que temos?

Outras duas perguntas que todos fazemos… uns de forma mais sincera e consciente, outros temem-na e fazem-na no mais refundido espaço do seu ser… procuro responder todos os dias as estas perguntas, procuro todos os dias senti-las e ver o que estas respostas trazem para a minha vida, para onde me levam.

Sinto que talvez por ainda ter muito que crescer, todos os dias procuro agarrar-me ao concreto, ao verdadeiro, à essência da minha vida, sem “medo” de perder fragmentos desta, porque se isso acontece, é porque não são partes intrínsecas do meu caminho, só deixamos perder o que não é verdadeiramente nosso… Custa? Sem dúvida. Faz-nos questionar? Sempre.

Tira-nos o chão? Quantas vezes, mas depois, depois chega “aquela” serenidade e paz, que nos mostra que aquilo eram apenas fragmentos de vida, não da “nossa vida”, e é nesse momento que somos invadidos por uma liberdade maior… essa liberdade que a Humanidade procura em prisões, em hábitos, formas de vida, aparentemente perfeitas e brilhantes, uma vida que dizemos ser nossa, mas que em tudo é condicionada…

“Se verdadeiramente vivesse livre.”

… é possível viver verdadeiramente esse estado, basta sermos audazes e aos poucos com alguma dor e sofrimento, irmos arrancando as raízes do comodismo, do facilitismo, de um egocentrismo, que sem medo chamo de egoísmo, e numa medida maior entregar… entregar-nos ao mais profundo, mas também mais verdadeiro que há em nós, procurando nos outros, não linhas de padrão, que nos estruturem, avaliem, orientem… mas reflexos da pessoa que somos… conscientes que num caminho o erro é uma constante, mas que refazer e assumir são imperativos de vida.

Não viver na margem do mundo, numa ilha isolada e utópica, mas enchermo-nos de coragem para procurar aquilo que queremos VERDADEIRAMENTE para a nossa vida, já que todos os dias gritamos ao mundo que somos “donos e senhores” da nossa vida, então que sejamos mesmo, e se custar assumirmo-nos a nós e aos outros naquilo que somos, então que custe… mas que esse passo seja dado com medo, com angústias, muitas vezes com recuos, mas que seja dado…

“NÃO TENHAS MEDO! ABRE AS PORTAS A CRISTO”, gritava o Santo Padre João Paulo II, o mesmo digo ao meu coração, que ele não tenha medo e que se abra à vida… no todo que ela nos dá… e aí sim somos livres, porque centramos a nossa vida no essencial, naquilo que é realmente importante e significativo para nós.
Maria disse…
“E que por vezes o compromisso é seguir sozinho.
Infelizmente, mas também felizmente para meu bem.”

Por mais que procure entender o que está por detrás desta afirmação e que tente olhar a expressão “seguir sozinho” como uma forma de fazer o caminho, não a sinto como verdade… ninguém caminha e vive uma vida solitária, para haver vida tem de haver entrega… aos outros, a Deus, ao mundo… todos nós somos seres de relação, todos nós precisamos de Amar, de partilha, de dar e receber, é vital, e privarmo-nos disso é cortar raízes profundas da nossa existência… há caminhos que nos levam a separações, levam-nos a escolhas, a privações, mas nenhum encontro com nós próprios nos leva à solidão, ao isolamento, e acredito que não é por assim o vivermos que será mais claro e legível… é nos outros que nos encontramos, é com os outros que crescemos, que aprendemos a escolher… acredito que há momentos a que somos chamados a enfrentarmo-nos a nós próprios, muitas vezes em duros e cruéis momentos de solidão, que parecem minar o nosso coração de uma dor que não passa, que tantas e tantas vezes se instala, mas nunca a permanecer neste patamar, devemos superá-lo, conquistá-lo, e dele retirar o sumo para a nossa vida.

Acredito que nos movemos numa natureza, que é intrínseca a nós e que nos leva a querer o que é grande, o verdadeiro desafio de manter elevada a fasquia do ideal a que somos chamados e quando “vemos” este ideal maior que é a NOSSA VIDA, não a pequena vida que levamos, mas a GRANDE que nos é proposta a descobrir… há que ter a coragem de a seguir, sem medo, pois só assim seremos, verdadeiramente livres e felizes… conscientes ou pelo menos confiantes no que tudo isso envolve…

Fácil? Nem um pouco… Desafiante…

Que este SIMPLESMENTE SER, seja isso, um desafio, mais do que isso uma proposta, ainda mais, uma MISSÃO… onde tal como nos diz Madre Teresa de Calcutá devemos viver cada momento da nossa vida de forma total, numa entrega pura e sincera, como se fosse o PRIMEIRO; o ÙNICO e o ÚLTIMO da nossa vida…

É POSSIVEL!!! E É PARA LÁ QUE ESTAMOS A CAMINHAR…
Monserrate disse…
Voltar a estas palavras é encontrar a chave de muitas perguntas que fazem eco em nós. É como se só o tempo nos fizesse esta simples revelação. Já tinha sido lido, mas nunca fora compreendido e hoje ganhou significado… "simplesmente ser"…

Que maior beleza poderá haver, do que este perdurar das palavras na vida e no tempo…

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