Debaixo da tua sombra
Passeava sorumbático, mas dentro dele uma mente forte registava os factos e pensava com grande poder de síntese. Um jurista notável que empregava aos problemas que lhe eram colocados uma solidez que surpreendia quem o via trapalhão, usando calças que lhe davam pelos tornozelos e casacos coçados. Para mim sobretudo a sua autenticidade, a sua graça, a sua simpatia e a sua simplicidade. Era sobretudo pelo que era como pessoa que ele se distinguia. Acreditava em si, era um homem confiante. Contava histórias e ria. Como se fez um homem assim, against all odds?
Gosto muito dele, não o conheci. Viveu há mais de 100 anos.
Tenho estado a estudar como se iniciou o seu combate contra a escravatura. A questão é muito complexa, não é nada linear: ele não foi nada um radical, um defensor de terminar, dum momento para o outro, com aquilo que estava já tão enraizado nos estados do sul. A sociedade e a economia dependiam da mão-de-obra negra e acabar, de uma forma abrupta, com esse status quo seria talvez perigoso. Sei que se começou a notar, pouco a pouco, de uma maneira crescente uma clivagem grande entre os estados esclavagistas e os estados livres. As posições de uns e outros geraram debates e conflitos.
No fundo, o que se passava nos EUA era algo absolutamente fracturante na sociedade. A posição dele era talvez a análise ética de um Diogo Freitas do Amaral, no que toca à posição do aborto (diga-se porém que a questão económica da escravatura na economia não deixava de ter muito maior peso na sociedade). Seríamos nós capazes de mandar uma mãe para a prisão? Seríamos nós capazes de condenar uma sociedade que dependia de um hábito tão enraizado como a escravatura? Sabemos que é um mal, mas porquê a condenação quando isso for para criar mais divisão? Esta posição revela um pragmatismo interessante nas posições de Lincoln: mais uma ética da responsabilidade que uma ética da convicção (aliás, na sua vida política encontraremos muito esta lógica nele: por vezes é melhor votar em certo sentido, num sentido talvez menos bom mas "mais possível" do que votar no que seria "ideal"). Um político astuto faz muito isso. A política é a arte do possível.
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