De volta à escrita
Encontrei-me esta semana com duas pessoas muito diferentes, na mesma ocasião: José Sarmento Matos e Anthony Stilwell. Havia convidado José Sarmento Matos para jantar no Parlatório, perto de minha casa. Quando lá cheguei ele estava sentado à mesa e oiço uma voz chamar "Duarte! Duarte!". Tratava-se de Anthony Stilwell, que faz do Parlatório a sua cantina (há tempos, em Outubro ou Novembro de 2013, cruzámo-nos pelo Facebook e, eu que nunca o conhecera, fiquei a saber que ele era um dos maiores amigos dos meus tios Duarte e Nuno).
Gostei muito de jantar com José Sarmento Matos. Falámos sobre a cidade de Lisboa: ele é um Olisopógrafo de renome. No seu livro "A Invenção de Lisboa" debruça-se sobre o espírito desta cidade. Acompanhados pelo vinho da casa (da minha casa, o "Lima Mayer"), descorremos um pouco aleatoriamente por vários assuntos da História de Portugal, entre os quais a génese desta cidade de Lisboa e deste povo, o Português. A propósito de Jacques Le Goff, desaparecido esta semana, perguntei-lhe o que ele pensa sobre a tese de que a Idade Média durou até ao séc. XVIII, apenas terminando com a Revolução Industrial. Ele disse-me que é preciso entender as diferenças entre o Norte e o Sul da Europa. Diz-me por exemplo que em Itália não se percebe muito bem o que é o Gótico: a própria Catedral de Milão nada tem que ver com exemplos muito mais flagrantes do Gótico na Europa do Norte. Assim, é preciso ter em atenção a grande influência do Império Romano no Sul da Europa, que permaneceu. A bacia Mediterrânica é um mundo diferente e a influência de Bizâncio, o Império Romano do Oriente que só sucumbe no séc. XVI é determinante (mesmo para explicar aquilo que se considera ser a arte dita "islâmica" - ela é antes de mais oriental, bizantina).
José Sarmento Matos é um sintrense. Também Anthony Stilwell. Tive a sorte de estar ali com eles a ouvir contar sobre os tempos passados. Emocionado, Anthony recordou os meus tios Duarte e Nuno, mortos tragicamente no espaço de menos de 10 dias, um vítima dum desastre de carro na Praia Grande, o outro, o Nuno, vítima de cancro. Diz que ainda hoje, passados quase 50 anos continua a ter na sua mezinha de cabeceira a fotografia deles.
Anthony Stilwell é um homem com carisma. Filho de um inglês que conheci bem, um típico inglês que vivia na Quinta de Santo António na Estrada da Pena e que lutou na 2.ª Guerra Mundial. Tinha um enorme viveiro de pássaros exóticos, com aves de todo o lado: era uma verdadeira beleza e ele ndava por lá sempre a cuidar daquela fauna toda, apaixonado, com sotaque british, tweed e galochas. Outros três irmãos dele lutaram também na 2.ª Guerra Mundial, dois deles morreram em combate (um creio que na Batalha de Monte Casino, outro com os African Corps).
Tenho reflectido ultimamente em como a sociedade tem mudado tanto: essa geração dos meus tios, que teve uma adolescência antes do 25 de Abril, viveu ainda numa sociedade muito estratificada onde os círculos eram muito mais restritos. Quando chegámos ao café e o Anthony sentou-se à nossa mesa, conversámos muito desses tempos e sobre Sintra. Falou-se também no 25 de Abril e no que ele mudou as mentalidades, provocando um bouleversment completo de hábitos, em que as pessoas perderam por completo o juízo.
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