Alice and Helmut


Conheceu Helmut na Rockefeller Chapel, no final de um concerto que festejava os 10 anos sobre o fim da Guerra. Tinha ele então 25 anos, acabara os seus estudos de Engenharia Mecânica na Universidade de Chicago e começara há já 2 anos a trabalhar na General Motors.
À saída do concerto, mesmo à porta da capela um bem vestido jovem, alto e louro, estendera-lhe uma linda flor, uma rosa, e juntara ao gesto a seguinte frase: “era de longe a mais bonita a tocar na orquestra… não posso deixar de dizer-lhe que depois dos escombros e da destruição, ainda nascem lindas rosas como você”.

Fora esse o princípio. Um ano depois casaram.

Helmut trabalhava muito, a GM estava florescente; cada novo ano uma série de novas cidades se erguia do 0, toda uma nova rede de ligações por auto-estrada. Cada família adquiria um automóvel; em cada casa um frigorífico, um televisor, uma garagem e um jardim (coisa que para Krutchev custara ouvir de um ufano Nixon). Truman era então Presidente.
Pouco tempo depois de Matthew nascer, Helmut fora destacado para uma nova unidade  perto da cidade de Dallas. Tratava-se de um novo pólo de crescimento urbano e uma enormérrimo bairro residencial estava a nascer. O modelo aplicado era mais ou menos o mesmo em tantas novas cidades da América: primeiro desenhava-se uma quadrícula de vias (nem sempre rectilínea, podia ser ondulada) e toda uma malha de casas, iguais, se alinhava lado a lado.
O momento da mudança fora mesmo oportuno pois com o nascimento de Matthew Alice quis deixar a orquestra para se dedicar a todo o tempo a ele, pelo menos durante os primeiros anos da sua vida.

O pai de Alice fora também músico e, por sinal, também violinista. Embora não de origem judaica, tinha muitos colegas judeus. Bregenz, a cidade austríaca junto ao Lago Constança donde eram originários estava muito associada à música; todos os Verões havia aí um grande festival de Música. Claro está que, com o início da guerra, a orquestra teve que fechar portas: muitos dos seus músicos foram mobilizados, outros tantos judeus deportados. Podendo considerar-se já um homem velho, Matthäus (o avô), não seria mobilizado, mas temia tudo o que se aproximava e sobretudo o futuro da sua pequena filha Alice (ainda com 5 anos). Ficara viúvo aos 40 anos e voltara a casar com uma colega do escritório da orquestra, a mãe de Julie. 

Julie era a secretária do Director, um homem culto mas nazi até à raiz dos cabelos.
Numa daquelas noites em que toda a cidade se para escapar aos bombardeamentos, meteram-se num carro e chegaram à Suíça. Daí apanharam um comboio até Itália, atravessando o Mediterrâneo de barco até Barcelona. Uma semana depois estavam em Lisboa. 

Dos 5 aos 12 anos, vivera como refugiada, num país estranho e também ele fortemente racionado, mas para si a adaptação não fora difícil e rapidamente aprendeu a língua e fez amigos. Seu pai durante 1 ano estivera desempregado, até que a orquestra da rádio nacional o contrata em 1942. Ficam em Portugal até 1948 e nessa altura um seu amigo judeu com quem esteve sempre em contacto escreve-lhe de Chicago dizendo-lhe que estavam à procura de violinistas para a sua orquestra. Parte sozinho e, surpreendido por lhe darem um lugar já com a idade que tinha, de lá escreve à família a dizer que ficou com o lugar e que há todo um novo mundo de oportunidades para o futuro de Alice.

Quanto a Helmut, também ele era de origem austríaca, mas de Viena, no lado oposto a Bregenz. Pertencia a uma abastada família ligada à promoção imobiliária. Era 5 anos mais velho do que Alice e tinha muitas memórias do local onde vivera, a Friedrichstrasse, num belo edifício da secession vienense que o seu avô promovera nesse então novo gosto. Muitos anos se tinham passado e ansiava levar a sua família – Alice e Matthew – a conhecerem a velha Viena, a majestosa Viena. Quando Matthew fizesse 5 anos iriam à Europa.

Passear-se-iam nos jardins de Viena, iriam à Ópera e passariam na Friedrichstrasse, mas não entrariam, apenas tentariam olhar para o átrio para ver o elevador em ferro forjado e recordar o seu cheiro. Não se entra novamente onde já se foi feliz. Seguiriam os 3 de mão dada pela rua, com Mattew no meio. Alice vestiria a Matthew uma camisola de um vermelho forte, aquele mesmo que um dia a surpreendera numa rosa que um estranho lhe estendera. Depois… depois voltariam a casa, à América, à terra onde Mattew também um dia constituiria a sua família.  

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