Questões fracturantes
A agenda política faz-se de proclamações e bandeiras, muito pouco ao jeito de discussões serenas onde os assuntos podem ser aprofundados, para bem de todos. Volta e meia, vêm à liça estes temas ditos "fracturantes".
Sou voluntário numa casa de velhos abandonados por todos. Umas almas caridosas, umas santas recolhem-nos das ruas. São velhos e doentes. São pessoas que tiveram problemas com a justiça. Pessoas sem eira nem beira. É triste ver a vida humana frágil e incapaz, e a esgotar-se num dia-a-dia sem esperança. Mas sinto naquele ambiente um amor e uma solidariedade que me lembra o amor que se vive em família. Na dificuldade e na carência, há ali gestos duns para com os outros que me fazem gostar de ir lá uma vez por semana. Acamados e sem quase falarem, sinto que as minhas mãos são mãos que tratam seres humanos e que saio sempre mais rico do que quando cheguei. O tocar com as mãos outro ser humano é uma experiência real e muito concreta. Se não vivesse aquilo não poderia testemunhar o bem que este voluntariado me faz e o bem que se sente nessa solidariedade comum, feita dum acumular de gestos, na simplicidade e nos constrangimentos do quotidiano.
Por isso, a mim de alguma maneira me desagrada o debate político destas matérias, pois sei que a maior parte das pessoas que apresenta os tais temas fracturantes não vive nem acompanha os casos que tão fervorosamente agita na tribuna.
A velhice, o não querer viver mais.
A velhice não é fácil. Ontem, ao finalizar um dia e depois de ter estado reunido com algumas pessoas para falarmos sobre a eutanásia, assisti a um programa na BBC sobre uma senhora, creio que na África do Sul que comemorava os seus 117 anos. Com uma saúde invejável, lúcida como um rapaz de 18 anos. Com uma enorme família à sua volta.
Acabar com a vida. Será esta a maneira mais digna de morrer? Dar-se uma injecção e pronto... acaba-se com tudo.
O problema é saber se é possível que o Estado tenha um ideal ético que eleja a vida humana como inviolável. Até pelos próprios. É uma questão muito complexa.
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