Rómulo de Carvalho e António Gedeão

A par com as profissões ligadas com a Saúde, não há actividade que presuma mais o outro que a Educação. Há uma génese altruísta na Educação, que não se encontra na Política, que não se esquecendo do seu fim último, quer se queira quer não se perde nessa arte de "alcançar o poder e o manter", ou mesmo na Arte - que é a busca da Beleza, e como pode ser difícil esta busca, tão pouco altruísta no seu processo...

Sendo assim, quem se ocupa da educação de outrém exerce, por força do hábito, a virtude do descentramento de si; o encontro do outro é uma arte, que exige antes de mais a escuta, a observação e também tempo, desculpe-se a redundância, pois se é arte, ela é sempre uma práxis, uma dinâmica. 
Ela faz-se sempre por dois sujeitos. Há sempre pelo menos dois sujeitos. O exercitado; o que dá o exercício.

Caminha-se como? Caminha-se com o mais experiente. Com o mais sábio.

E caminha-se para quê? Caminha-se sempre para mais consciência, para mais humanidade.

Para se ser educador não basta o título, o canudo. Há muitas coisas que um bom educador tem que ter. Dizia-me no outro dia alguém que um educador deve ser uma pessoa equilibrada. Um bom líder tem que ser sempre alguém equilibrado. Equilibrado é aquele que está mais munido para se levantar todos os dias da cama. Não é aquele que se deixa vencer pelo desânimo, pela fadiga. É sim aquele que consegue ver para além da actividade rotineira, que consegue ver o continuum.

Hoje pensava que tenho um grande descrédito pela maior parte das escolas. Porquê? Porque acho que faltam duas coisas essenciais: falta antes de mais disciplina; falta ainda uma outra coisa que é amor a aprender. Creio que a dessacralização da vida tem como efeito o fazer-se de qualquer maneira. Perde-se o amor por fazer as coisas com brio.

Quem é indisciplinado não consegue talvez apreciar a beleza dum pôr-de-sol ou dum jardim bonito, onde as plantas e as árvores estão dispostas para o nosso gozo. Quem perde a capacidade para se calar e para escutar, não consegue apreciar a harmonia de uma composição barroca. Por isso, a primeira condição para aprender é exercitar a capacidade do espanto: se calo tudo à minha volta e passeio em silêncio por uma natureza intacta que se dá aos meus sentidos e entra por todos os meus poros na sua infinita magnificência, sou tocado pelo milagre da vida: não posso ficar indiferente. A minha resposta não é nestes casos o "tagarelar" mas o silêncio espantado da surpresa que se esconde na beleza dos raios do sol. Um passo está apenas desse espanto, até à busca duma resposta. Ou apenas na contemplação desse raio de sol, repetido na minha memória. O espanto dá-se em agradecimento, em finura de alma. Aí também começa a disciplina, que mais não é que o respeito delicado pelo maravilha do que nos rodeia. Não se entra numa catedral a correr. Entra-se numa catedral sempre com respeito, somos quase impelidos ao sinal da cruz. E não há ninguém que não o faça, mesmo quem não tem fé.

E tudo tem que ser uma experiência própria. Quando não o é mata-se a mensagem. Tantos conheci que não gostam de montar a cavalo ou de tocar piano porque foram a tanto levados pelos seus pais. O mesmo com a Religião. Um erro enorme é obrigar alguém a gostar mais ou menos à força de alguma coisa. Eu preciso de querer para aderir. Preciso de fazer a experiência. Deixem-me experimentar. Não me obriguem "a comer a sopa" quando eu já tenho idade para ir fazendo as minhas próprias opções!

Na semana passada vi um documentário sobre um grande educador: Rómulo de Carvalho. Porque seria ele um bom educador? Tinha duas coisas: sabia espantar-se com a ciência, era um homem maravilhado com o mundo; depois era um cientista, um homem de grande disciplina. Do homem maravilhado com o mundo conhecemos dele a poesia, que assinava sob o pseudónimo de António Gedeão. Um desdobramento do mesmo homem de quem me apetece dizer: "para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive". Rómulo de Carvalho era também António Gedeão e António Gedeão Rómulo de Carvalho. Um e o mesmo, mesmo que um se calasse para dar a voz ao espanto, ou o outro falasse para o explicar e calasse essa sensibilidade (que continuava lá, no silêncio respeitoso da sua enorme discrição).







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