A (i) lógica da super-abundância
Na natureza podemos comprazer-nos com a abundância do dom. Ela dá-se-nos toda - sem que o mereçamos. Lembro-me dum dia de Agosto em que empreendi a descida para a Fajã do Santo Cristo, na ilha de S. Jorge e senti-me tal qual Adão no Éden.
Passeando num jardim, observando as árvores e as flores, inalando os perfumes que umas e outras exalam, os verdes e o colorido dos frutos, ouvindo e vendo os passáros saltitando e brincando aqui e acolá, sobrevem-nos um bem que nos enche de alegria. Quiseramos nós que toda a nossa vida fosse esse doce percorrer dos jardins, essas sombras fresquinhas de Monserrate.
A nossa alma pode ser isso. Esse jardim florido. Super-abundante. Esse recorte de belas espécies, essas gotas que respigam, brincalhonas, da bica d'água.
Ter um jardim. Para correr. Largar-se por essa inclinação toda daquele relvado frente ao Palácio onde está a grande auraucária. Chegar ao lago. Ou entrar ao portão e enveredar pela esquerda - e chegar àquela grande cascata, donde a água jorra.
Parque da Pena. Onde parece sonho aquele Palácio que mesmo só um Rei Artista pôde fazer. Aqueles lagos e o passeio até ao Chalet.
Sintra, terra da abundância. Terra da beleza. Passeio por Sintra, na frescura duma tarde de Verão.
Sintra, terra da abundância. Terra da beleza. Passeio por Sintra, na frescura duma tarde de Verão.
Por isso não sei... Sintra existe e é super-abundante... É bom que na nossa vida haja super-abundâncias, porque ela é normalmente terra de ausências.
A terra da super-abundância é a terra da poesia. A terra dos fins-de-semana, a terra das férias. A terra da música. Da arte.
Rodin. Umas mãos feitas por Rodin.
Vivaldi. Ouvir Vivaldi. A sua música é bonita, melódica.
Ou Bach. Ou Mozart.
As férias. Ainda hoje pensava naquelas férias na Turquia. Aquelas águas em que mergulhávamos. De azul.
Nos fins-de-semana e nas férias restauro-me à contemplação. Acordar tarde, dar um passeio. Ir ouvir um concerto... ouvir um passarinho!
Comentários
Não entendemos que o acesso a estes jardins, a estes lugares, são muitas vezes vedados e há alturas na vida em que não é permitido entrar e contemplar. Pior de tudo é quando já não os reconhecemos como lugar vital para a nossa existência. Cria-se uma forte camada em nós, que nos deixa impenetráveis… olhamos para estes lugares com tal banalidade e desprezo, que comprometemos esta tão necessária comunhão.
Quem mudou? Aquele jardim que sempre foi abundante, belo, sinal de vida ou fomos nós?
Conscientes do que aconteceu temos dois caminhos, o de aceitarmos que o banal da vida nos ganhou, nos deformou, nos consumiu… ou aos poucos irmos fazendo o difícil trabalho de nos voltarmos a sentir… difícil porque mexe com uma estrutura que se instalou e que agora deve ser removida sem criar grandes danos… uma vez começado este trabalho, todos os dias são dias de mudanças e esperança… acreditando que voltaremos a ter acesso ao que perdemos, sem saber como.
E finalmente respiramos novamente fundo… chegam os passeios sem caminho determinado, chegam as paragens porque vimos ou ouvimos alguma coisa diferente, chegam as leituras ao acaso… e quando damos por nós voltámos, como uma planta que sai do vaso e volta à terra, ainda com mais força.
Não estamos livres de voltarmos a ficar secos, automáticos, enfadonhos, conformados… mas agora sabemos o que fazer… sabemos como nos devemos provocar a nós próprios, seja em que circunstância seja… e isso fará diferença no nosso retirar de camadas, na nossa mudança de pele, no nosso chegar ao coração… à essência do que somos…