"O Livro de Frederico Pery, o Advogado Perypatético"

 "Ser-se advogado é mais um estilo de vida que uma profissão, é sobretudo ser-se livre e dar vida (embora por vezes se tenha a ideia que o advogado é quem dá a morte). Alguém uma vez disse que um poeta não se reforma; acrescentarei porque tem sede de Paraíso.

O advogado tem a mesma agitação interior do poeta - e pode ir até ao Inferno para resgatar o Paraíso. Ao Inferno dos conflitos, da extrema burocracia, das esperas infindas pela justiça. Porém, o advogado deve perceber que ir ao Inferno não é «bilhete sem regresso». Como dizia Sebastião da Gama. devo querer «Que a Morte, quando vier, não venha matar um morto.../Quero morrer em pujança/Quero que todos lamentem a ceifa de uma esperança».

Frederico Pery, o «Advogado Per(y)patético», exerce advocacia num escritório no Chiado, à rua da Emenda, ali bem perto do Tejo, alternando entre o patético e a busca peripatética de bem servir na sua profissão. Dedica-se à especialidade do direito marítimo, num escritório de família a «Torlades & Associados». A vida de escritório foi-se desenvolvendo, Frederico foi ganhando experiência. 

O seu pai sempre o chamou o «Dr. Per(y)patético», cognome não destituído de uma certa ambiguidade, embora na sua forma peculiar de garantir o sucesso dando corda aos seus sapatos e pululando, Frederico tenha aprendido a não se envergonhar das muitas escorregadelas patéticas em "casca de banana"... O seu grande segredo é amar a vida e fazer pouco caso das escorregadelas; vive em paz consigo mesmo, sabe rir-se da vida e tem com ela uma relação de gratidão e reconhecimento. A vida é boa… naturalmente boa, porque ele tem o dom de gostar imensamente dela.

Também se diga que desde pequeno que Fred Pery foi desenvolvendo uma capacidade de imaginação sem paralelo. Na sua família jogava-se a um jogo,  «O Imagina». «Imagina que és um prego e que te querem usar para pendurar um quadro feio na parede...»; «Imagina que dentro de 1 mês vais viver para uma ilha deserta, onde ficarás sozinho 1 ano até te reencontrarem»; «Imagina que apanhas um choque eléctrico que te faz transportar para o séc. XXIII...» e tinham que contar uma história a partir daí. 

Um dos grandes dramas dos nossos dias é que deixámos de conseguir imaginar. Somos invadidos por tanta informação, que não conseguimos sair do peso duro e pesado da realidade; a nossa principal arma julga-se que é a análise; ora, é antes talvez a imaginação.

Passando sucessivamente pelo chapéu de palha de Tom Sawyer (!), o chapéu-de-feltro de Abraham Lincoln e, finalmente, o seu próprio chapéu-de-chuva que está sempre a perder, Fred ensaia o que cada um desses objectos representa (o primeiro, o entusiasmo vibrante, a alegria, o espírito livre; o segundo, a organização e a disciplina, sem perder o bom humor; e, o terceiro, o sentido comunitário e ético), numa espécie de matrioskas russas em complexidade crescente. Assistimos à consolidação de Fred Pery, que se metamorfoseia num bem-sucedido advogado, mestre do uso das metáforas, nascidas do seu apurado sentido do ridículo e do poder mágico da efabulação, numa enorme competência evocativa.

Da Arrábida, donde guarda uma infância feliz, passando pelo Lisbon Racket Club e depois pelos EUA, onde vai treinar para uma academia de ténis, à entrada na faculdade de direito - onde sofre duma depressão, à escolha sem grande convicção da profissão e, finalmente, à crise de meia-idade, assistimos à viagem de redescoberta consigo mesmo, a partir do encontro com a figura de Abraham Lincoln, ao deparar-se, por acaso, com um livro num alfarrabista da Rua da Achieta. Lincoln entabula um diálogo epistolar com Tom Sawyer, apostado numa vida de advogado e que lhe faz lembrar aquele estagiário que, provavelmente levado pela depressão, numa noite sem rumo, se despista ravina a baixo no alto da Arrábida. Acidente?! A reflexão leva-o a pensar que há algo na profissão que parece que está a precisar de se repensar, pois as idas aos Infernos parecem estar a conduzir muitos a um caminho de um sentido apenas - bem pago, mas sem o tal «bilhete de regresso». 

Passados 25 anos depois de se ter iniciado na profissão, encontra a saída da crise de meia-idade na vontade de dar um novo alento à profissão, candidatando-se a Bastonário da Ordem dos Advogados, para a reformar por dentro. Há demasiada gente insatisfeita, infeliz, deprimida.

Em Londres, onde visita a National Gallery e discute com o seu pai o quadro «Os Embaixadores» de Hans Holbein, almoça com um amigo inglês que lhe fala dos novos tempos, mais virados para o coaching e para o mentoring. Numa chuvada ao ir para o hotel, cai na conta que a profissão apesar de tudo continua igual ao  vestusto chapéu-de-chuva (tão simples mas tão importante): debaixo dele protegemos as pessoas dos pingos-da-chuva. Ser-se advogado é como levar uma pessoa num caminho protegendo-a da chuva (o «ad auxilium vocatum» dos tempos clássicos, traduz-se «naquele que é chamado para ajudar»).

Seguramos o chapéu para a pessoa não se molhar. Há algo de cavalheiresco nisto! Descendo o Chiado com o chapéu a servir de bengala, reconheces um cavalheiro. Abrindo o chapéu para levar alguém que não trouxe maneira de se proteger, podes reconhecer um advogado, que te ajudará a aguentar as tempestades. Nas tempestades deves segurar o chapéu. É essa a função do advogado. 

Mas temos primeiro que evitar que seja o advogado a apanhar com essa chuva, trazendo o apoio psicológico, o coaching e o mentoring para o centro do debate - e da profissão - e procurando dar um sentido ético renovado à vida de advogado. Fred Pery tem um programa muito especial: quer restaurar o encanto na profissão! As coisas uma vez mais não serão fáceis. 

O Dr. António Maçaneta, um advogado velhaco irá ser o seu principal adversário nessa corrida à Ordem dos Advogados e estará apostado em lhe barrar o caminho, usando dos mais incríveis artifícios e manobras».

(adap. da Revista "A Ler", sinopse do "O livro de Frederico Pery, o Advogado Perypatético " Edições Temas e Teimas, págs. 34 - 36, Março 2023)   


René Magritte, Belgian (1898–1967), L’Art de la Conversation (The Art of Conversation), 1963, oil on canvas, 46.4 x 38 cm, private collection









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