Marcos da História de Portugal
MUITOS POVOS
Há traços de ocupação humana muito antiga em Portugal (p. ex. no Alentejo, o megalitismo de Almendres com os seus cromoleques; ou as pinturas rupestres no Escoural, também no Alentejo, ou as de Foz Côa, no Douro).
De acordo com investigações recentes, desde a 2.ª metade do II milénio a.C. há invasões sucessivas de povos de língua indo-europeia; estabeleceram-se mais tarde também povos do Mediterrâneo Oriental. No I milénio a.C. uma população da Anatólia aqui se instala e, no mesmo período, os celtas, trácios e outros povos.
Ao contrário de certas ideias largamente disseminadas, não está comprovada a permanência no nosso território actual de certos povos como os gregos, os fenícios e os cartagineses.
Aqueles que mais atenções requerem são os romanos que permaneceram em Portugal por mais de 500 anos. Todo o Mediterrâneo chegou a estar a ele submetida e, no período de sua maior extensão, chegou-se à Grã-Bretanha e à Alemanha, assim como ao Mar Negro.
A importância da influência romana foi muito grande, a começar pelas influências linguísticas.
Muitos no passado e hoje ainda alguns apontam os lusitanos como os avós dos portugueses. É necessário porém fazer a advertência que não se sabe se antes da província romana da Lusitânia havia quaisquer fronteiras ou uma qualquer entidade distinta, um povo ou um conjunto de povos. Além disso, a Lusitânia tinha a capital no que é actualmente a Espanha – Mérida onde há um belíssimo museu dedicado à presença romana – e uma parte do seu território englobava aquilo que é actualmente a província espanhola da Estremadura. Não se pode dizer, porque não há provas, que Viriato, aquele que poderíamos comparar a um Astérix, fosse um homem das Beiras. Houve no passado uma clara mistificação em volta de Viriato (como aliás, com outras figuras da História).
O CRISTIANISMO
Um fenómeno importantíssimo para Portugal que se deu com a presença romana foi o da chegada do Cristianismo. Constantino converte-se ao Cristianismo com o Édito de Milão em 314 sendo que o novo culto se vai transmitir e disseminar rapidamente com a existência duma língua comum e de vias de comunicação que ligam toda a Europa romana. Na Península Ibérica há um foco de grande importância de vivência cristã – que, com Roma, é uma das duas maiores rotas de peregrinos da Europa - que é Santiago de Compostela, para onde se dirigem peregrinos oriundos das mais longínquas proveniências.
No território português vão-se instalar depois outros povos como os suevos – com capital em Braga e com influência principalmente no Norte - e que se convertem ao Cristianismo através de S. Martinho de Dume, e os visigodos, um povo escandinavo que se instala sobretudo no Sul de Portugal. No que respeita aos visigodos, durante muito tempo, até Recaredo em 586, houve sérias disputas com os católicos. O fim desta luta com o referido Recaredo, veio fortalecer a unidade hispânica.
Com a expansão do Islamismo a partir do séc. VIII, povos islâmicos começam entretanto a chegar à Península Ibérica, começando por varrer o Reino Visigodo. E é realmente vasta a sua influência que vai da língua, à arquitectura, passando pela irrigação e técnicas agrícolas. São eles que começam o hábito das hortas, de plantar vinhas por baixo das laranjeiras e limoeiros, o cultivo de flores, etc. Trazem também muitos novos alimentos: frutos e cereais, bananas, coco, cana do açúcar, milho e arroz.
O ESPÍRITO DA RECONQUISTA E AS CRUZADAS – O CONDADO PORTUCALENSE
Assiste-se depois ao movimento geral de rebate para libertação da ocupação dos muçulmanos, que conseguem chegar a Poitiers em França (dá-se em 732 a Batalha de Poitiers, vencida pelos Cristãos). Esse movimento dos herdeiros dos visigodos, refugiados nas terras altas das Astúrias, começa efectivamente a resultar a partir de 722, sob o comando Pelaio.
Porque se dá esse combate com os islâmicos? Os islâmicos são hordas de homens que vêm de fora, já cá estava há bastante tempo implantado o Cristianismo (recorde-se que o édito de Milão foi em 314, por isso foi 400 anos antes e o Cristianismo estava já institucionalizado – por ex. peregrinações a Santiago de Compostela – o que criava uma grande coesão europeia). Além disso, os islâmicos tinham hábitos totalmente diferentes e, mais importante, a intenção de ocupação pela força – se bem que houvesse graus diferentes de agressividade. Também os visigodos haviam sido povos a combater pelos romanos por não acolherem a Pax Romana. Em todo o caso, registe-se que havia guerras cristãos vs. cristãos, cristãos vs. islâmicos e islâmicos vs. islâmicos.
É curioso que os islâmicos, uma vez realizada a conquista vão ter em muitos locais uma atitude bem civilizada que contrasta fortemente com aquilo que se passa nos nossos dias com o fundamentalismo. Se tivermos em conta por ex. Córdova em Espanha, poderemos ver que eles vão ter uma atitude de um grande respeito pelos outros credos - com a abertura de uma universidade onde os crentes das três grandes confissões conviviam pacificamente.
O ESTADO ANTES DA NAÇÃO
O Condado Portucalense é fundado no séc. X na sequência de conquistas inseridas no citado movimento das Cruzadas.
Essas terras agora chamadas Portugal - já independentes face a Leão e Castela no século XII, devido às disputas para o domínio das mesmas entre os nobres do Condado e outros a ele exterior, da Galiza - vão-se alargando sucessivamente para sul. O Estado vai assim nascer antes da Nação.
D. Afonso Henriques é um tremendo conquistador e a seu lado tem os cruzados e com a conquista de mais terras aos islâmicos, aumenta a credibilidade e o peso de Portugal junto da Santa Sé. A conquista definitiva do Algarve (Al Garbe), a costa meridional sul do território, dá-se em 1249/1250.
Recorde-se os motivos destas Cruzadas:
Até ao século XI, os árabes, islâmicos, são senhores da Palestina. Eles permitem que os cristãos venham a Jerusalém rezar no Santo Sepulcro. Contudo em 1078, os turcos conquistam esta região. Eles também islâmicos, mostram-se intolerantes e perseguem os peregrinos que se deslocam à Terra Santa. Em 1095, aquando do Concílio de Clermont, o Papa Urbano II, exorta a nobreza do Ocidente a partir em cruzada para os lugares santos. Levados pela fé, partem mais de 60 000 camponeses pobres, assim como milhares de cavaleiros. Também a eles se juntam senhores que, sonhando apenas aventura e glória, esperam conquistar terras e amealhar riquezas. As cruzadas terminam em 1270.
A génese de Portugal está, em suma, ligada à oposição Cristianismo/Islão e é curioso que a expansão portuguesa vai acusar esses antagonismos com o islamismo.
CASTELA E LEÃO (FUTURA ESPANHA)
A Este, com uma dimensão e poderio militar maiores estão Leão e Castela (com Alfonso VI 1065-1109), que constituem uma ameaça sempre viva e que, por sucessão dinástica, vão reclamar o trono de Portugal.
D. João, Mestre de Avis e bastardo real, é aclamado Rei pelo Povo e, na iminência da perca da independência, estala a guerra. Não obstante a diferença numérica das forças em combate em Aljubarrota, vence a independência. A estratégia de D. Nuno Álvares Pereira é brilhante. Refira-se que se havia firmado um acordo com os ingleses, o Tratado de Windsor. Estabelece este acordo, em troca de benefícios comerciais para os ingleses, a defesa de Portugal em situação de perigo. Foi por isso que ao lado das tropas portuguesas estavam soldados ingleses. O casamento de D. João I, com D. Filipa de Lencastre, firma esse novo eixo nas alianças políticas nacionais.
OS PIONEIROS NOS DESCOBRIMENTOS
Em 1411 com o estabelecimento de um tratado de paz, Portugal tem a sua independência garantida face a Leão e Castela. E não tendo mais que fazer no seu território Portugal parte para fora e vai ser pioneiro nos Descobrimentos - a Espanha só se vai constituir com Fernando e Isabel a Católica, e apenas em 1492 é que se dá a reconquista de Granada. Só então estará a Espanha com os olhos virados para fora.
Mas não é de um dia para o outro que os portugueses descobrem o mar: desde o início da sua nacionalidade há uma actividade mercantil importante com o Norte da Europa e com o Mediterrâneo. A atestar a importância dessa actividade existem por ex. estaleiros navais na foz dos grandes rios. No século XIII (D. Dinis) com a criação de uma bolsa de seguros, essa actividade mercantil vai intensificar-se mais ainda. É este mesmo rei o responsável pela importante permanência dos Templários em Portugal quando estes são banidos de toda a Europa – a começar em França, sendo reconvertidos na Ordem de Cristo. Sedeados em Tomar, eles vão ser uma das principais, senão a principal fonte de financiamento dos Descobrimentos. Em Lisboa, e noutros portos nacionais, operam mercadores nacionais e de outros países (italianos, ingleses e, esporadicamente, castelhanos e flamengos).
Com isto, é todo um saber-fazer de navegação que se vai acumulando, um conhecimento sobretudo adaptado ao Atlântico (muito diferente da navegação praticada no Mediterrâneo).
A primeira investida séria neste movimento é o da conquista de Ceuta, Marrocos, em 1415. Nele participam os filhos varões do rei D. João I que são armados cavaleiros. Vê-se aqui claramente um espírito de cruzada, de conquista aos mouros, que continuará a ser uma constante. Aliás os Descobrimentos são feitos sob a égide da Cruz da Ordem de Cristo que figura no alto das embarcações - nas velas das caravelas e naus -, e os povos que através do mar com os portugueses se cruzam são o novo território dos “cavaleiros”. Combate quase sempre com os islâmicos, mas missão civilizacional cristã com os outros povos não islâmicos.
O rumo dos Descobrimentos segue para as ilhas Atlânticas da Madeira e dos Açores, despovoadas. Há a preocupação de as povoar e, bem assim, delas tirar rendimentos. O Infante D. Henrique, Mestre da Ordem de Cristo é o homem responsável pela gestão de todo este processo até 1460. Claramente a partir de um certo momento - “Caravelas comandadas por D. João de Castro, aparentemente levadas pela tormenta, chegam às Canárias”. Terá sido a narração deste facto que estimulou D. Henrique a enviar um navegador a “saber a causa de tão grande corrente” - o empreendimento começa a revelar o interesse na Descoberta. E esse empreendimento vai-se desenvolvendo estruturada e metodicamente. Com o Infante D. Henrique vai-se até à Serra Leoa. Com a morte do Infante D. Henrique há um decréscimo das viagens.
O próximo impulso acontece com Fernão Gomes, mercador a quem D. Afonso V concedera a exploração durante 5 anos da costa ocidental africana, com a condição de ele avançar para sul.
A QUESTÃO COMPLEXA DA ESCRAVATURA
E a questão da escravatura que nos coloca a análise dos contactos com os povos da costa ocidental africana? Diga-se, em primeiro lugar, que a escravatura era praticada desde tempos imemoriais e entre muitos povos, incluindo os povos africanos com que nos iríamos cruzar. Mas então e a prática por cristãos, não será uma incoerência? Embora à primeira vista pareça incoerente, radica nos descobridores a ideia que todos os homens são irmãos. Mas é preciso compreender que essa irmandade não é o mesmo que igualdade de tratamento e isso tem que ver com duas concepções tipicamente medievais que ainda marcam o homem dos descobrimentos e que, em conjunto, determinam o modo como ele vai ver os africanos sub-sarianos:
- a religião cristã deu a luz ao homem e a ausência da lei cristã implica a ausência de civilização e a tendência do homem para a animalização;
- a separação entre corpo/alma (de Sto. Agostinho que a bebe em Platão) e uma maior dignidade da alma.
Ora esses dois elementos levam ao seguinte: como esses povos não têm a fé cristã e a civilização, e devido ao seu estado primário não compreendem e aderem à mesma, é necessário tomá-los como escravos, aprisionar o seu corpo de menor dignidade, para libertar posteriormente a alma – de maior dignidade - e os salvar.
É claro que esta justificação – teologicamente dada - pode ter sido também muito convenientemente empregue numa fase posterior em que a escravatura não deixara de ser um negócio rentável, sabendo como sabemos que o que motiva sobretudo a nossa presença na costa ocidental africana é a actividade negocial.
AS RAZÕES DOS DESCOBRIMENTOS
Atente-se que os Descobrimentos têm razões múltiplas. Vasco da Gama diz que procuram “especiarias e cristãos”. Há, entre outros, motivos religiosos e económicos (não forçosamente nesta ordem). O Pre. António Vieira, mais tarde, na sua História do Futuro diz a este propósito: "Se não houvesse mercadores que fossem procurar os tesouros da terra no Oriente e nas Índias Ocidentais, quem transporia para lá os pregadores que levam os tesouros celestes? Os pregadores levam o Evangelho e os mercadores levam os pregadores".
D. JOÃO II E O ORIENTE
D. João II, um rei com uma grande visão estratégica estabelece de uma forma clara o objectivo - sigiloso, de dobragem do Cabo das Tormentas e a chegada à Índia e negoceia um Tratado com a Espanha de partilha do mundo a descobrir (Tratado de Tordesilhas celebrado em 1494 e que impõe a doutrina do Mare Clausum). Tudo leva a crer que já sabia da existência do Brasil. Este tratado assenta numa visão do mundo ainda hierarquizada e dependente da Santa Sé (Deus – Papa - Reinos) que só se vai alterar oficialmente muito mais tarde com o Tratado de Berlim em 1870.
É só no reinado de D. Manuel que se chega a concretizar a chegada à Índia e a descoberta oficial do Brasil. As especiarias do Oriente tornam D. Manuel e a corte riquíssimos.
A chegada ao Oriente e a novos povos de cultura avançada, talvez sobretudo o chinês, vão implicar um confronto com a cultura ocidental e uma conduta de relativização cultural por parte do português que estabelece essa relação.
Em Goa quis-se criar uma Nova Roma e a quantidade e qualidade de edifícios religiosos feitos é notável. O papel dos religiosos é fundamental na questão da expansão e, no que respeita aos referidos chineses, a acção dos jesuítas merece destaque especial pois foram eles que pela primeira vez lá entraram (o Pre. Ricci), através de Macau e adoptaram um procedimento de ir ao encontro, perscrutar a cultura dos chineses e tentar adoptar o discurso (isto veio a criar uma disputa muito grande, a questão dos ritos, originada essencialmente por um Pre. dominicano muito influente e que se prende à adaptação do nome de Deus à nomenclatura que os chineses utilizavam e à não oposição contra o Confucionismo).
D. João III é o último dos reis que orientaram a expansão de Portugal. Com ele começa a tentativa de se atender mais de perto ao Brasil. Existe a consciência da dificuldade de manter o Império tão vasto, dispendioso e sujeito a tantas ameaças. Há também o enorme erro da expulsão dos judeus e muitos vão para outros países europeus como a Holanda, ou partem para o Novo Mundo; a isto soma-se a incapacidade de desenvolver produção em Portugal, fazendo que o País acabasse por ser simplesmente um entreposto comercial.
Numa altura em que o Império é muito ameaçado D. Sebastião, é o tardio e infeliz arauto da cruzada contra os mouros, às mãos dos quais sucumbe. O Cardeal D. Henrique é tio de D. Sebastião e o último rei da Dinastia de Avis. Segue-se a Dinastia dos Filipes, já não portuguesa.
A HERANÇA DOS DESCOBRIMENTOS
A importância para o mundo é enorme: começa-se a alargar o conhecimento do mundo (que então só era conhecido numa 4.ª parte – atente-se na palavra Mediterraneum – “o centro da Terra”) e velhos mitos como o da não habitabilidade do Equador caiem por terra. Do ponto de vista civilizacional é crucial pois começa-se a estabelecer contactos com outros povos, povos até então desconhecidos para os ocidentais. Gostos e produtos são disseminados pela Europa e pelos novos povos.
PORTUGAL E A EUROPA
Até mais ou menos ao surgimento dos grandes conflitos entre a Igreja e o Protestantismo que deflagra na Europa, Portugal continua os contactos comerciais com o resto da Europa, contactos que vinha a ter desde o início da nacionalidade (em especial numa ligação atlântica).
Quando se inicia o movimento do protestantismo e enquanto a Europa vive em sangrentas lutas religiosas, Portugal demarca-se e aposta nos Descobrimentos sobretudo no Oriente e é o emissor orgulhoso, admirado e respeitado pela Europa, da Respublica Christiana.
Com a perca da independência e o domínio dos espanhóis não perdemos toda a nossa autonomia, mas os nossos territórios do Oriente são perdidos em larga escala para os holandeses, os viscerais inimigos protestantes dos espanhóis.
Verdadeiramente aceite sem muita contestação, Espanha procura ao início não hostilizar – chegando mesmo a pensar-se mudar para Lisboa a capital do Império; e é ela que paga o resgate dos nobres de Álcacer Quibir aos mouros – mas com Filipe III, o descontentamento, que vinha a crescer sucessivamente, faz ressaltar a ânsia da independência perdida. O Império Espanhol passando agora tempos difíceis “aperta” os portugueses, desrespeitando acordos anteriores. Os conjurados resolvem organizar o fim do domínio espanhol e elevam ao trono o Duque de Bragança e são com ele vitoriosos na Batalha de Montes Claros.
A INDEPENDÊNCIA E OS SÉC. XVII E XVIII
Com o resgatar da independência face a Espanha e a estabilização política, o Barroco é a expressão do poder e glória do Reino, virado agora para o Brasil donde extrai o ouro. Mas Portugal já não é um dos centros comerciais da Europa de maior relevo. A França com Luís XIV, o Rei Soleil do Palácio de Versailles, joga toda a sua força (é ainda um país essencialmente agrícola mas produz bens ricos - indústrias francesas de luxo – sedas, tapeçarias, loiças e perfumes) e tem uma boa marinha mercante. Mas enquanto Portugal, Espanha e França apostam sobretudo na pose directa ou indirecta de metais preciosos, em tudo oposto, a Holanda e mais tarde a Inglaterra, apostam numa expansão comercial e é aí que vai germinar o verdadeiro espírito capitalista.
Com o ouro do Brasil constrói-se o gigantesco Mosteiro de Mafra e gasta-se fortunas incalculáveis em arte – escultura, pintura e música – chegando-se, numa viagem de prestígio a Roma a deitar moedas de ouro pelas ruas!
A Holanda (impedida de comercializar nos nossos portos devido à união dinástica de Portugal a Espanha) começara a ir às fontes das especiarias. E era o lucro o que importava. O seu espírito protestante impediu o surgimento do barroco na arquitectura, demasiado ostensivo.
Com D. José I e o Marquês de Pombal há um incremento da produção do Estado e nascem algumas manufacturas que marcam alguns dos sectores historicamente melhor sucedidos da nossa economia como a cerâmica, os vidros e as conservas de peixe. Dá-se também um impulso acentuado aos vinhos do Porto. Há algumas reformas importantes na educação (de modernização da Universidade por ex. que antes cabia essencialmente aos jesuítas que agora são expulsos de Portugal).
A AGITAÇÃO DO SÉC. XIX
O Tratado de Berlim de 1870 constitui a política oficial duma Europa que resolve partilhar o mundo entre si. As potências assentam no princípio de partilha de acordo com o poder de ocupação efectivo. É o mapa cor-de-rosa, uma anedota do eurocentrismo e do desconhecimento das realidades.
Não só em Portugal o séc. XIX é um século agitado. França vive numa agitação constante na sequência da Revolução Francesa: é a passagem do Ancien Règime e há conflitos ideológicos muito grandes entre absolutismo e liberalismo que dominarão toda a Europa (Inglaterra de fora pois já os tinha resolvido com a Glorious Revolution em 1688).
Com a presença dos franceses em Portugal o trono muda-se para o Brasil. Portugal fica administrado pelos ingleses. Vencemos no Buçaco com os ingleses e os franceses, que ocupam Portugal, vão-se embora. O país fica espoliado de muito do seu património artístico.
Com o grupo do Sinédrio organiza-se novamente a assunção do poder pelos portugueses pois o país estava ocupado agora pelos ingleses. Ingleses de volta para Inglaterra, o trono de volta à metrópole. Mas há discórdia e instala-se novamente a guerra, desta vez guerra civil. Entretanto perdera-se o Brasil, uma fonte importantíssima de receitas.
As guerras deixam o país de rastos.
Reconquistada a paz, que dá a vitória ao liberalismo (nacionalizações dos bens das ordens religiosas) há algum desenvolvimento com Costa Cabral e, mais tarde com Fontes Pereira de Melo, mas, apesar de alguns desenvolvimentos, não houve nenhuma revolução industrial. Portugal ainda permanecia um país essencialmente pobre e rural.
No final do séc. Portugal volta a enfrentar graves problemas: ultimato inglês às nossas possessões em África e escândalos financeiros. O Rei D. Carlos acaba por ser o bode expiatório de todas as culpas. Na passagem para o século XX o regime estava em crise e iria cair em breve.
O FIM DA MONARQUIA
Com o assassinato do rei e do príncipe herdeiro em 1908, seguiram-se mais dois anos de intensa instabilidade.
O regime haveria de acabar em Outubro de 1910, com uma revolução em Lisboa que demorou algum tempo a estender-se ao resto do País. Organizaram-se as constituintes donde emanou a constituição – 1911, uma constituição que consagrava um regime parlamentar. Esta forma de Governo revelou-se ineficaz para manter a ordem pública e os governos caíam constantemente. Reinava a desordem.
A PARTICIPAÇÃO NA GRANDE GUERRA
Na sequência do atentado de Sarajevo, a Áustria-Hungria declara guerra à Sérvia e envolvem-se de imediato as grandes potências. Em Portugal discute-se calorosamente se devemos nela participar ou não.
Os britânicos, nossos aliados, aconselham-nos a não ter uma atitude beligerante activa mas facções republicanas – o Partido Democrático -, consideram que seria necessário que Portugal participasse na guerra para depois ter assento no armistício e poder manter as suas colónias. Afonso Costa forma governo e entra-se na guerra apesar da oposição da Inglaterra. Afonso Costa dizia “Praticaremos um acto de dedicação à nossa aliada, contra sua vontade, mas com base moral”.
Os problemas económico-financeiros eram muito graves. A guerra foi um descalabro militar com a chacina dos nossos contigentes enviados para França e, no plano interno, agravou a situação económico-financeira (crise de escassez e inflação).
SIDÓNIO PAIS E SITUAÇÃO NOS PRIMEIROS ANOS DA DÉCADA DE 20
Sidónio Pais foi a primeira tentativa séria de instaurar um regime forte que pudesse contraria a desordem total (1917). Mas esteve pouco tempo no poder acabando por ser assassinado. As coisas voltam ao mesmo.
A situação económico-financeira do País começara a melhorar a partir de 1922 através duma reforma fiscal, completada em 1923 com uma reforma dos direitos aduaneiros e, com isso, consegue-se uma redução significativa dos saldos negativos das contas públicas. A evolução da economia internacional foi igualmente favorável à recuperação portuguesa. Contudo, a estabilização económico-financeira não bastou para assegurar a estabilização política.
O ESTADO NOVO E SALAZAR
O golpe militar do 28 de Maio de 1926 vem mudar o panorama político e isso sobretudo após a chegada definitiva ao poder de Salazar em Abril de 1928 como Ministro das Finanças. Houve algumas medidas fiscais, nomeadamente criação de impostos ditos de salvação nacional e, no campo orçamental, o controlo estrito de despesas. No ano económico de 1928/1929 as contas públicas apresentam o primeiro saldo positivo desde os anos que precederam a Grande Guerra e este resultado significou um triunfo político decisivo para o novo Ministro das Finanças.
Em 1929 Salazar foi por algum tempo Ministro das Colónias e preparou uma reforma de parte da constituição relativa às colónias (Acto Colonial), abrindo caminho para se tornar Presidente do Conselho de Ministros em Julho de 1932. Acaba por preparar também uma nova constituição, vindo a tornar-se no verdadeiro chefe do regime quando a constituição é promulgada. A constituição consagra um regime presidencial em que o governo tinha largo poder legislativo e não estava sujeito a controlo parlamentar.
O impacte da Grande Depressão de 29 foi bastante suave porque a diminuição do PIB foi pequena e as actividades rurais absorveram o desemprego. Ao mesmo tempo, o governo português foi capaz de implementar uma reposta particular e muito bem sucedida aos desafios impostos pela depressão. À semelhança do que se passou no geral dos países capitalistas o Estado assumiu um papel dirigista na vida económica. Além de tentar manter o equilíbrio das finanças públicas, próprio dum estado liberal, o Estado desenvolve uma política de infra-estruturas ”obras-públicas”, institui a organização corporativa e o condicionamento industrial.
A PERSONALIDADE DE ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR
De origem muito modesta, nascido no mundo rural - numa pequena aldeia do Dão, António de Oliveira Salazar sobressaiu-se desde cedo pela sua inteligência e tenacidade. Recebeu uma educação nos valores do Cristianismo que se viviam no mundo rural do Norte de Portugal. Foi seminarista (mas não concluiu a preparação para o sacerdócio) e no Seminário forjou a sua grande capacidade de trabalho e a sua disciplina.
As suas leituras preferidas eram obras do Cristianismo Social, entre os quais os sociólogos franceses como Maurras que tinha uma doutrina sobre a função do Estado ligada ao corporativismo – o que veio aliás a concretizar-se em Portugal.
Como pessoa, Salazar era muito afectuoso com a sua mãe a quem se dedicou na sua doença e até à sua morte. Dizia-se, já no tempo do Estado Novo - e com intentos propagantísticos - , que nunca se casara para se entregar à Pátria – ou melhor, que se casara com a Pátria. Era um homem que vivia numa grande austeridade, disciplinado, metódico, sem vícios, mas tinha grande sensibilidade: gostava de flores e de falar com crianças (adoptou duas raparigas). Como tinha um grande controlo sobre si próprio, os seus sentimentos eram filtrados e dominados sempre que a razão o impunha e assim podia parecer um homem frio. Podia ser também um homem de orgulho. Era de índole essencialmente solitária. Como homem de Estado, só saiu de Portugal duas vezes – e isso terá pesado na sua visão do mundo.
A NATUREZA DO REGIME
Qual a natureza do regime que Salazar, durante 40 anos, personificou?
Não era um regime totalitário, imune à lei (combateu o Nacional-Sindicalismo de Rolão Preto, por ex.). Era sim um regime autoritário. Os partidos políticos foram proibidos. A experiência da 1.ª República deixou obviamente muito má memória e o Estado de Salazar queria ser independente da sociedade e dos grupos. Além disso, Salazar não acreditava muito no povo português.
É verdade que havia censura e polícia política mas é necessário analisarmos os dados para colocarmos bem a questão (de acordo com Rui Ramos in, Outra Opinião, Ensaios de História):
- De 1932 a 1945 houve 13 648 prisões por motivos políticos, mas 62 % foram durante os mais agitados anos da guerra civil de Espanha (entre 1936 e 1938), 47% foram soltos antes de um mês, e apenas 20% cumpriram penas superiores a um ano de prisão.
- No Tarrafal, em Cabo Verde, estiveram presos cerca de 300 comunistas e anarquistas (em condições violentas). A maioria, contudo, beneficiou de amnistias em 1940 e em 1945.
Cito agora directamente as palavras de Rui Ramos por ilustrativas que são (in, op. Cit.): «Na Europa, nesta época, os padrões de opressão e de violência eram muito mais elevados. Em que outro país da Europa, sob ditadura, um dos principais líderes de um movimento insurreccional clandestino teria sido levado à Faculdade de Direito pela polícia para ver aprovada – por professores que eram também políticos do regime – uma tese de licenciatura que não passava de um panfleto ideológico contra o regime? O caso passou-se com Álvaro Cunhal em 1940… Cunhal era filho de um advogado conhecido e de uma senhora católica num regime que não esquecera as distinções burguesas. A repressão nunca foi socialmente cega. Como lembra um inspector da PIDE, que serviu também na GNR, as grandes sessões de sevícias a que ele assistiu não aconteceram na PIDE, mas nos postos rurais da GNR».
A 2.ª GUERRA MUNDIAL E A OPOSIÇÃO INTERNA
O regime começou a ter alguns problemas sobretudo a partir do final da 2.ª Guerra Mundial na qual Salazar, inteligentemente, não envolve Portugal. Com a vitória da URSS e dos EUA à Alemanha, as esquerdas ganham algum alento. Muitos dentro do regime quiseram fazer o regime «evoluir»: uns queriam que se voltasse à monarquia para fazer face ao liberalismo e ao comunismo; outros, pretendiam uma democracia. Salazar, considerava que ambas as soluções não eram boas e que o seu resultado seria a guerra civil.
É importante ver que os maiores golpes contra Salazar vieram de antigos salazaristas: eleições presidenciais e Humberto Delgado (1958), o sequestro do Santa Maria (1961) e a tentativa do coup em Abril de 1961 por seus antigos colaboradores.
Ao longo de todo o seu consulado, Salazar manteve a posição de que politicamente o país era o mesmo e que se verificavam ainda as razões para o Estado autoritário. O seu papel foi sempre o de manter o equilíbrio das várias forças políticas, o que ele fazia com mestria e bastante malícia.
Diz ainda Rui Ramos – que faz uma análise psico-sociológica de Salazar e cujas ideias aqui seguimos de perto - , que o Salazarismo tinha uma certa dose de egoísmo. Era através do exercício de poder que Salazar se afirmava – era o filho de uma humilde família rural, não tinha fidalguia nem estava casado com uma fidalga, não possuía riqueza, não tivera tempo para se consolidar como escritor e jurisconsulto, nem tinha dotes de demagogo. «Aquilo que lhe dava um sentimento de superioridade sobre os que o rodeavam era o poder. Era o poder que o tornava interessante aos olhos dos intelectuais da direita francesa, que o incensavam, e das senhoras da aristocracia lisboeta, com quem ele gostava de conversar e passear. Abandonar o poder seria sempre uma despromoção social, insuportável para o seu orgulho e para a sua vaidade».
A EMERGÊNCIA DA CLASSE MÉDIA E A GUERRA COLONIAL
Na década de 30 quando Salazar toma as «rédeas» do poder Portugal era um país essencialmente rural. O país entretanto foi mudando e da interioridade, as pessoas começaram a concentrar-se cada vez mais no Litoral. Começou a surgir uma sociedade urbana ou suburbana. O divórcio com o poder era evidente.
O problema maior para o regime era agora o da Guerra Colonial, para a qual se dizia haver solução militar. Mas era ir contra os ventos da história, sobretudo contra a política internacional que fazia já no início e iria fazer cada vez mais pressão.
Salazar por razões de saúde deixa o poder que passa a ser ocupado por Marcello Caetano (tinha sido grande crítico de Salazar). Marcello Caetano não vai conseguir reformar o país. A revolução de Abril abre as portas a uma nova época.
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