O circo está a arder

Nos últimos tempos - a bom dizer, numa década que ainda parece, segundo os matemáticos, não ter findado - são muitos os que falam em crise. No outro dia comentava com um amigo meu sobre Medina Carreira, aquele que acho ser o "Apóstolo do Apocalipse" e dizia-lhe que não o leio, não gosto de quem procura o lado negro lunar. Pode ter razão, mas para quê o ler?! Para cavar mais fundo os motivos de desesperança?!
Não me considero avestruz que enterra cabeça na areia para se abstrair da realidade e fingir que tudo está bem, mas a verdade é que deixei de ver televisão e ler jornais portugueses. De todos, vou passando os olhos às vezes pelo Público, e entusiasma-me a qualidade do i, jornal desempoeirado, interessante e variado.
Indigna-me a mediocridade de muito do que nos rodeia, o diz-que-disse, o escândalo de Sá-Pinto vs. Liedson. Quase que me apetecia que Portugal não tivesse sido apurado para o Mundial de Futebol. Não posso com a gente do futebol, não posso com um País que, ridículo, se prancha, se organiza e se desconcentra e ilude à volta de uma realidade de bons e vilões, de gente com cabelo pintado e cortes de risca ao meio, de discursos solenes mas ocos.
Indigna-me a falta de competência. Não é desculpável; não devia ser.
Mas há lugar para acreditar. Há lugar para trilhar um caminho que valha a pena, para levar connosco quem por nós passa e connosco se cruza, para trocar uma palavra, para perguntar e se interrogar, para explicar, para sentir e dizê-lo com as nossas palavras. Porque agora como sempre o Homem sofre e a condição humana é a mesma: uma nozinha no meio do Oceano que precisa e anseia por se ligar aos outros, por comunicar com os outros e descobrir o seu caminho.
Profetas da desesperança, Nunca! O difícil é exactamente o contrário. E há é que amar o difícil. O fácil não tem nada de especial - o difícil é que é desafiante. Isso é que é apaixonante! A sério!!! Isso é que exige de nós o melhor que temos, o máximo das nossas capacidades.
De Gaulle, o gigante pôs um povo inteiro de descrentes a acreditar. Era um D. Quixote. E venceu os moinhos! Sanchos Panças - temos muitos! Bons? Alguns são-no, outros deixaram-se corromper. Sanchos Panças burgueses: cada vez menos humildes, cada vez mais panças - já ninguém quer ser meramente Sancho Pança.
E D. Quixotes, temos?
Os D. Quixotes d'hoje têm que esconder um pouco de si, porque senão serão logo chamados de desvairados. Numa vila aparece um palhaço a dizer que o circo está a arder. Alguém acredita nele? Os D. Quixotes d'hoje não podem ser estes palhaços. Têm que se vestir da mesma maneira que as pessoas da vila para irem convencer todos a ir apagar o fogo. E a construir um novo circo.

Comentários

Francisco Lima Mayer disse…
Apesar de concordar com o que disse em relação aos "Medinas Carreiras", tem de reconhecer a sua importância ao alertar o país para uma crise estrutural profunda, já que a classe política não fala nem enfrenta estes problemas pois sabe que se o fizer perde eleitores. Os problemas resolvem-se enfrentando-os, boa vontade e optimismo não chegam.

Abraço
Maria disse…
E como tudo isto é tão verdade…

Desde pequena, que sentia necessidade de usar as palavras ou mensagens de “outros” para expressar aquilo que pensava e sentia… foi um hábito que adquiri e que hoje já faz parte de mim… talvez porque nas “verdades” e histórias de outros, encontre e identifique, as máximas da minha vida, encontre e reconheça as mesmas paixões, inquietações, vontades, interrogações… absorvo do mundo pequenos elementos; seja um livro, um filme, uma música, uma obra de arte, uma notícia de jornal, uma conversa ou até mesmo um blog (digo “até mesmo um blog” porque apesar de reconhecer a importância das tecnologias sou uma “resistente” a esta nova forma de comunicar com os outros e com o mundo …)

Deixo-lhe dois excertos de alguém que acreditou, que trilhou e construiu caminhos… Eram, outros tempos, mas era a mesma inquietação, a mesma “revolta”, a mesma vontade de entrega, a mesma ânsia de não se deixar corromper, de não se entregar aos rumos de uma sociedade vã…

Repetindo as palavras deixadas, no blog, dia 20 de Janeiro
“Todos fomos criados para ser deuses, não no sentido de sermos perfeitos ou virtuosos, mas no sentido de atingirmos o máximo de que somos capazes, de visarmos atingir a plenitude do nosso ser, na integridade, na generosidade, na capacidade de realização e no entusiasmo.” nunca esquecendo que “(…) só Homens rectos e responsáveis, desinteressados e generosos, corajosos e inconformistas, respeitadores e capazes de colaborar entre si, poderão formar um Mundo Novo, porque tanto ansiamos (…) ” (Maria Ulrich)

“Bem-Aventurados… os que OUSAM!”

Cabe-nos, a cada um de nós, “amar o difícil”, crescer com o difícil, ir travando pequenas “batalhas”,"enfrentando-os", mas mantendo, sempre presente, a importancia da boa vontade, da paixão que nos move e do optimismo... nunca esquecendo a nossa maior missão, a de “construir um novo circo.”

Maria

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