Obrigada, padre Dâmaso*
Só é difícil explicar o que é
um Santo aos que nunca tiveram a sorte de muitas vezes e ao longo de vários
anos tomar o pequeno almoço ao lado do padre Dâmaso Lambers, que morreu esta
quinta-feira, aos 87 anos.
Quem o conheceu ficou a saber
que “Jesus é fantástico!” e que a sua presença real na Eucaristia, “ainda é
mais fantástica”! Quem o conheceu, quem ele tratava independentemente da idade
como “ó minha menina” e “ó meu menino” sabia que o Padre Dâmaso era “muito
feliz”! Ele repetia-o vezes sem conta: “sim, muito, muito feliz” porque nas
suas mãos via a maravilha de trazer “um pouco do céu para oferecer a cada um e
a cada uma na terra” e essa maravilha era a causa da sua imensa felicidade.
Só é difícil explicar o que é
um Santo aos que nunca tiveram a sorte de muitas vezes e ao longo de vários
anos tomar o pequeno almoço ao lado dele. Acho que os companheiros do
Companheiro (obra de recuperação de reclusos que fundou e que nos deixa…) também
partilham comigo esta experiência.
E a cada um e a cada uma
repetia “sejam felizes” como se fosse a nossa primeira obrigação nesta passagem
pela Terra. Tal como o Papa se despediu do povo, logo na sua entrada no papado
com um simples “adeus e bom almoço” ele despedia os fieis da sua missa não se
limitando ao clássico “ide em paz…” mas acrescentando-lhe um “e sejam
felizes!”.
Não admira que os seus
melhores amigos fossem os que ainda estavam ou já tinham saído da prisão:
“gente fantástica”, “gente como tu e como eu”, como ele acrescentava sempre:
“gente fantástica” pelo simples facto de ser gente, fosse o que fosse que
tivessem feito. Se houve prova encarnada do Amor infinito e misericordioso de
Deus foi o nosso padre Dâmaso. Nosso, aqui na Renascença desde 76. Primeiro
numa série semanal de três programas (dirigidos aos doentes, aos reclusos e ao
cidadão comum) depois nos mais diversos programas incluindo madrugada dentro
numa conversa de tu a tu com os ouvintes. A Rádio era o segundo amor da sua
vida.
Partiu hoje para a casa do
Pai. Não queria ir depressa. Gostava muito, muitíssimo de estar vivo! Gostava
que a sua vida fosse o mais longa possível, porque aqui dava ideia de já estar
plenamente com o Pai. Essa pessoa “fantástica” com a qual parecia ter-se encontrado
num exato momento como se fosse desde sempre. Em agosto do ano passado, contava
numa entrevista ao Readers Digest que sendo o mais novo de seis irmãos adoecera
aos poucos meses e os pais o tinham entregue aos cuidados de Santa Teresinha,
consagrando-o a Deus. Salvou-se. Aos sete anos fez a Primeira Comunhão e desde
aí recebeu o Senhor todos os dias da sua vida. Aos 18, estava feita a escolha:
seria padre.
Nascido em 1930 viveu como
adolescente a experiência da II Guerra Mundial e, aos 27, chegou a Portugal
onde se instalou num convento na Penha de França, onde estava a congregação dos
“Sagrados do Coração de Jesus e Maria” de que fazia parte. A zona da cidade era
pobre. As barracas eram muitas e espalhavam-se pelas encostas dos arredores.
Começou na JOC com o trabalho social de acolhimento aos pobres e acabou a
construir uma pequena capela para celebrar missa para eles no meio deles.
Um pouco mais tarde, viveu o
seu período mais feliz como pregador dos Cursilhos de Cristandade cujo
movimento praticamente ajudou a introduzir em Portugal. Dois ou três anos
depois de chegar a Lisboa já era um pregador conhecido e o Padre João
Gonçalves, que participara no movimento em Espanha, pediu-lhe ajuda para trazer
o movimento para Portugal. Fê-lo durante muitos anos e experimentou com isso
uma felicidade crescente, mas subitamente a hierarquia afastou-o desse
trabalho.
Sentiu-se injustiçado e nem o
seu sentido de perdão nem a sua obediência permitiram que essa ferida sarasse
totalmente. Sempre que falava desse abandono, turvava-se-lhe o olhar.
*Rádio Renascença, Graça
Franco, 22 de Fev, 2018
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