Novas formas de viver e habitar
A revolução digital está a provocar grandes transformações na forma
como vivemos.
Com a internet passou a ser possível trabalhar onde queremos, basta quase
apenas termos um laptop. Não se justifica mais reter as pessoas em grandes
escritórios. As pessoas organizam-se mais por obejctivos, do que pela
obediência a um horário de trabalho rígido.
Conceitos como o teletrabalho são cada vez mais
frequentes; até na Administração Pública se começou cada vez mais a falar
nisso. Cada vez menos precisamos de ir ao Banco, o que vai fazer com que muitos
postos de trabalho estejam a desaparecer.
Vemos crescer o n.º de free-lancers, que prestam serviços de
outsoursing a empresas.
O nomadismo é cada vez mais também uma tendência. As pessoas hoje
escolhem mais as cidades que são estimulantes para viver do que aquelas onde
encontram trabalho. E há toda uma população móvel que circula, sem fronteiras.
O mercado imobiliário está a
adaptar-se.
Para esta população móvel - jovem
e curiosa, é extremamente importante encontrar
locais que sejam vibrantes, criativos, que criem atmosferas que a façam sentir-se
a dar o melhor de si. “Play Hard,
Work Hard”, poderia ser o lema que se vive. Estamos a falar da agenda do talento.
São pessoas altamente qualificadas, que prezam a sua independência, que se
habituaram a gerir as suas agendas para tirar o máximo partido das
potencialidades que os locais oferecem: fazem desporto, vemo-los a fazer
jogging pela cidade, apreciam os locais de convívio, as esplanadas de luz e
bonitas vistas, uns adoram fazer surf e aproveitam as madrugadas para um pulo à
praia. São sensíveis aos impactos ecológicos, procuram movimentar-se pela
cidade a pé, de bicicleta. Usam a uber e os transportes públicos. Preferem uma
lógica de utilização, mais do que uma lógica de posse, o que é viabilizado por
plataformas de gestão de recursos. Não querem ficar presos às coisas, que
tolhem os seus movimentos. Recentemente li num jornal francês que se está a
assistir que as pessoas preferem ir viajar, do que herdar uma casa de família
no campo em que têm que gastar despesas de manutenção…
Curioso notar que a maior rede de
partilha de propriedades imobiliárias, não é dona de nenhuma dessas propriedades
(Airbnb), que a maior rede de partilha de veículos automóveis não é dona de
nenhum veículo (Uber). Estas aplicações abriram-nos um novo mundo, pronto a
usar enquanto nos for útil.
Convive-se socialmente num ambiente
de festa. A existência de programações culturais ricas, onde a música,
combinada com um entardecer com um copo espreitando o rio e o pôr-de-sol é algo
que se procura semanalmente e não um luxo, dado em ocasiões esporádicas. O
ar-livre, o espaço público, ganha outro peso. Frui-se dum jardim, para passear,
para estar na esplanada ou num concerto dum “out jazz”. Ou então os ambientes
mais intimistas, como uma living room session numa casa desconhecida, cujo
proprietário abre as portas para uma sessão onde 70% das pessoas não se conhecem
entre si.
Prefere-se a informalidade, longe
dos “boring 50’s”.
Tudo isto parece um mundo melhor,
a não ser naturalmente na perspectiva dos excluídos – e há-os certamente. A
sociedade tem dificuldade de acompanhar a evolução tecnológica e os ganhos de
eficiência que ela traz em termos de economias de escalas podem trazer algumas distorções
económicas. As recentes manifestações dos taxistas em Lisboa são certamente
sintoma disso mesmo – entretanto saiu uma lei que regula uber e outras plataformas;
a necessidade de regulação do Alojamento Local, tem-se vindo a sentir um pouco
por vários locais. O direito vem a reboque das necessidades.
Há acima de tudo um regresso à cidade.
Lembremo-nos que as lógicas dos
anos 80/90 eram diferentes. Expansão para fora dos centros urbanos. Grandes
parques tecnológicos como o Tagus Park, locais sem vida além dos escritórios.
Funcionais, centros de recursos racionais e eficientes, mas destituídos de
identidade. Sempre fui crítico de que uma faculdade de arquitectura fosse para
Monsanto, longe do bulício da cidade (da velha ESBAL), onde a cidade acontece e
as pessoas se misturam, o melhor caldo para a criatividade.
Hoje, os hubs criativos estão
muito mais junto à própria cidade, nascendo e desenvolvendo-se muito mais
virados para criar sinergias à sua volta e espaços de encontro.
Lisboa conseguiu entrar nessa
agenda de atracção de talento. Websumit e a política que foi seguida pela CM de
Lisboa tem premiado isso mesmo.
O conceito de co-living insere-se nesta lógica de partilha e de novos hábitos de vida e pode servir a alguns públicos: “Geração X” (nascidos até 1995), “Millenials” (entre 1995/2000) e na “Geração Z” (depois de 2000).
Antes de mais importa definir o
que é: “é um tipo de comunidade habitacional onde várias pessoas partilham um
espaço residencial com áreas comuns como casas de banho, cozinhas, etc” (Wikipedia).
O velho modelo das “repúblicas”
universitárias é certamente co-living, mas o impulso do co-living de hoje vem
por força essencialmente duma nova tendência que pede além de rápido acesso
wireless, de espaços de partilha convívio e todo um conjunto de oferta de actividades,
que faz com que o velho modelo das repúblicas - aqui pensemos nas velhas “repúblicas”
decrépitas e maltratadas de Coimbra cujo modelo pouco mudou desde que Eça de
Queiroz aí se reunia em tertúlias nocrturnas sejam já muito desadequadas ao que
a nova Geração Z pretende. Há assim que reinventar as residências de
estudantes, havendo assim oportunidades de negócio interessantes. O n.º de
estudantes estrangeiros quase que duplicou desde 2010, estimando-se que faltam
entre 13.000 e 18.000 camas nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. O Governo lançou
recentemente o chamado “Plano Nacional de Alojamento Estudantil”), mas haverá
aqui muito espaço também para a iniciativa privada.
Pretendem-se espaços de convívio
simpático, salas de estudo, ginásio, sessões de cinema, bar, etc (um bom
exemplo disto é, em Lisboa: https://www.rebelodeandrade.com/projects/doorm_12.
O modelo co-living interessa
certamente a muitos jovens profissionais, sobretudo se puder também combinar
espaços de trabalho em co-working, aí se realizando o ideal de dois mundos que
é viver e trabalhar no coração da cidade: http://www.samesameliving.com/ (Geração
X” (nascidos até 1995)/Millenials). Jaime Lerner, o célebre perfeito de
Curitiba associa o exemplo da “tartaruga” ao ideal de vida: “trazer sempre
consigo a casa às costas!”
Os custos duma opção de co-living
podem não ser baixos, mas continua sempre a ser a lógica da utilização que
prepondera, o que permite que seja possível modelar o orçamento global de forma
flexível. Ora, deve olhar-se sobretudo para a lógica das mais-valias que a
concentração de custos numa opção que permite viver e trabalhar no mesmo local,
com o ganho que tal representa em termos de tempo disponível (até para
trabalhar mais) e poupanças várias como a de diminuição drástica de consumos
como o consumo em transportes e o grande leque de opções que a cidade dá por
força de existir um mercado concorrencial que se bate por se aguentar vivo. A
densidade da cidade e a economia partilhada representam condições de partida
que têm por efeito baixar custos. É evidente que o preço m2 é mais alto, e isso
se repercute em inflação, mas também há mais liberdade de escolha no dia-a-dia
nos consumos a ter como os alimentares. O co-living traduz-se numa
racionalização do espaço, reduzindo as parcelas individuais ao mínimo, com
partilha em economia de escala dos remanescentes.
Do ponto de vista jurídico interessava ir mais longe em regimes como o
da propriedade horizontal, criando aquilo que já tem acolhimento em certas
áreas como nos Empreendimentos Turísticos Plurais (em que unidades de ocupação
podem existir em propriedade horizontal). Isto iria permitir criar comunidades
de co-living se constituíssem desde logo numa fase de projecto juntando
financiamento (podendo até eventualmente beneficiar de benefícios fiscais como
os atribuídos às cooperativas). Por outro lado, potenciando o ideal de uma
partilha de custos, se cada unidade pudesse ter contadores próprios
(electricidade, gás e água), estaríamos a promover maior controlo de custos,
com redução de custo de vida (menor factura pelos serviços de co-living). Este
modelo poderia interessar naturalmente a estudantes, solteiros e até a
reformados, traduzindo-se numa política habitacional adaptada aos novos tempos.
O art.º 4.º do Regulamento do PDM
de Lisboa compreende no uso habitacional “áreas afectas à residência unifamiliar
e colectiva, incluindo instalações residenciais especiais (estabelecimentos de
alojamento local e residências destinadas a estudantes ou a idosos, que, em
função da dimensão da área e dos serviços prestados, manifestem especial
compatibilizada com o uso habitacional”). É um pdm da chamada 2.ª Geração, de
boa qualidade, mas são ainda muitos os municípios que não consideram estes
espaços colectivos como habitação, exigindo o cumprimento de rácios como
estacionamento que não fazem sentido (por exemplo para residências de
estudantes).
Há propostas para introduzir
estas questões na nova Lei-Quadro da
Habitação, o que parece fazer todo o sentido, pois operamos com ferramentas
antigas como o RGEU, que estabelecem critérios que precisam de ser repensados,
havendo necessidade de apresentar um modelo operacional novo e integrado.
Uma última nota para falar do co-housing, um conceito ligeiramente
diferente do co-living. Há menor integração dos habitantes do que neste último
conceito, pois há efectivamente casas/unidades habitacionais distintas (com todos
os cómodos próprios da habitação), mas depois uma partilha de espaços como
jardins, podendo incluir cozinhas comunitárias. Aqui, fala-se duma resposta que
poderá ser adequada para os chamados “baby-boomers”, muitos deles activos, que
poderiam encontrar numa solução comunitária a resposta a necessidades mais
adaptadas a um evoluir para a velhice, mas ainda num estado ainda de autonomia.
A partilha comunitária poderia criar novos sentidos de pertença, num modelo
que, já nascido há várias décadas na Escandinávia terá que passar a prova de
fogo de hábitos de relacionamento ligeiramente diferentes no nosso País. O
co-housing é um modelo normalmente mais frequente fora dos centros urbanos.
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