Num mundo onde os únicos sonhos permitidos são os que se podem comprar



"Num mundo onde os únicos sonhos permitidos são os que se podem comprar, a felicidade passou a ser apenas um atributo da posse. A realização pessoal, que é - ou deveria ser - o caminho de qualquer vida, já só consiste perversamente na resignação e na sujeição. Realizo-me adaptando-me, executando os gestos dos outros sem nunca me interrogar. Realizo-me, não me realizando, porque a sociedade não me permite mais nada, porque só tenho duas pernas, curtas, e não vejo asas a despontar em parte alguma do meu corpo. Mas será mesmo assim ou será apenas um álibi, uma forma de preguiça mental?

Basta parar por um instante e observar o mundo da natureza que nos rodeia para se ver que tudo fala da gratuitidade inquietante, da fragilidade e da beleza das formas vivas.

Embora tentemos viver em caixas hermeticamente fechadas, o mistério resplandece à nossa volta e sugere-nos o caminho a percorrer. Não existe mediocridade, monotonia. O que existe é apenas o nosso medo. Medo de crescer, medo de nos abrirmos às emoções. Medo de descobrirmos que não há nenhuma jaula à nossa volta, que o que existe é apenas liberdade, ar. E se erguermos levemente os olhos, o espaço infinito do céu.”

O Fogo e o Vento, Susanna Tamaro

Comentários

Monserrate disse…
“Basta parar por um instante e observar o mundo da natureza que nos rodeia para se ver que tudo fala da gratuitidade inquietante, da fragilidade e da beleza das formas vivas.
Embora tentemos viver em caixas hermeticamente fechadas, o mistério resplandece à nossa volta e sugere-nos o caminho a percorrer. Não existe mediocridade, monotonia. O que existe é apenas o nosso medo. Medo de crescer, medo de nos abrirmos às emoções. Medo de descobrirmos que não há nenhuma jaula à nossa volta, que o que existe é apenas liberdade, ar. E se erguermos levemente os olhos, o espaço infinito do céu.”

A vaguear por este blog, encontrei duas vezes esta passagem da Susanna Tamaro. Talvez isso me tenha feito parar e repensar estas palavras… A palavra medo aparece muitas vezes… "O que existe é apenas o nosso medo"? Não sinto que seja o grande responsável dos dissabores da minha vida… sempre fui de levar tudo à frente com uma certa valentia até… Nunca me deixei ficar nas sombras dos meus piores pensamentos, sentia que aí não havia grandes possibilidades de viver… acho que tive sempre coragem de enfrentar cada jornada, proposta até agora, e retirar disso o melhor… a melhor lição.

Para mim tudo se complica nesta liberdade imensa que nos é dada… na sua gestão, na gestão das escolhas, das esperas, dos caminhos, das consequências… aqui tenho que ser forte, determinada, travar a impulsividade que há em mim… não falo de uma primeira instância da liberdade que foi conquistada ao longo destes últimos seculos. Falo da “liberdade maior”, do nosso livre arbitro perante os outros e o mundo.

Do livre arbítrio acho que tenho medo… mas até hoje, nunca me deteve. E sobre isto guardo um excerto também ele da Susanna Tamaro,
“E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai para onde ele te levar.” era muito nova quando o li pela primeira vez e nem imaginava o quão importante se tornaria na minha vida. Quantas vezes soube sentar e esperar? Quantas soube respirar fundo? Em quantas estradas me “meti” ao acaso? Quantas vezes soube ouvi o silencio sábio do meu coração?

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