Indivíduo
Diz-se de indivíduo aquele que não pode ser mais dividido e não sei se o trajecto pode na verdade ser lido como se apenas uma história fosse e não apenas fragmentos de muitas histórias, umas tantas luzes que se somam, intermediadas de tantas penumbras e sombras. Eu peregrino, cajado na mão, por entre montes e vales e só essa continuidade permite dar sentido ao caminho, carregando tudo aquilo que eu sou. Diferente disso, é o acordar diário no trajecto em que o sol se apresenta como repetição, mas em que não há memória, não há apropriação. Nesse sentido, a minha vida é feita de escolhas conscientes, de uma explicação, de um antes e um depois. Há uma intencionalidade e uma direcção. Neste outro sentido, a minha vida são apenas parcelas justapostas que se ligam fruto das circunstâncias e de fugas para a frente sempre que a dificuldade se apresenta: não sou capaz de descer os "vales tenebrosos", porque sem essa ideia de peregrino apenas terá sentido o caminho à beira do rio, sem acidentes. Ora é aqui justamente que nos desintegramos, que perdemos a face. Olhemos a natureza à nossa volta e percebamos que a vida são contrastes, são o sol e é a chuva, a vida e a morte e a constante transformação: assim são os nossos corpos, a mutação sempre constante das estações, a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno.
Li há pouco tempo uma frase num livro de que gosto muito (Soul, Taschen): "terras que conhecem apenas o sol e não conhecem a chuva tornam-se como os desertos; a vida também é assim". Esta frase foi dita pela mãe de uma certa jovem de 20 anos que lutava por sobreviver na grande cidade de Londres, depois de lhe terem roubado a carteira.
A fidelidade a nós próprios é muitas vezes atraiçoada por muitas tibiezas. Negamos a vida como Pedro negou 3 vezes a Cristo. Sonhamos e queremos quimeras e não somos capazes de assumir verdadeiramente o nosso caminho porque achamos que não merecemos sofrer. Tentamos tomar atalhos para facilitar, mas perdemo-nos no emaranhado da confusão terrível das nossas vidas. E, depois, quando nos olhamos ao espelho apenas vemos uma cara que se vai enrudecendo, mas que não nos pertence. Não nos reconhecemos.
Pegar o cajado, é assumir a responsabilidade por nós próprios, sem desculpas nem contemplações.
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