1. Beleza e Contemplação. Espiritualidade moralizante - Carlo Maria Martini
Um dos poucos autores espirituais que têm sensibilidade para o tema "beleza e espiritualidade" é Carlo Maria Martini, antigo cardeal de Milão:
"Não adianta deplorar e culpar todo o mal que há no nosso mundo. (...) Tampouco adianta falar de justiça, de deveres, de bem comum, de programas pastorais, das exigências do Evangelho. Se quisermos falar disso, que o façamos com o coração cheio de ardente amor. Temos de experimentar aquele amor que dá com alegria e que entusiasma; temos de irradiar a beleza daquilo que é verdadeiro e correcto na vida; pois só essa beleza pode tomar conta do íntimo e direccioná-las para Deus".
Martini sente que hoje uma espiritualidade puramente ascética ou moralizante não atrai mais as pessoas. É preciso a beleza que as fascina. Martini refere-se à beleza do mundo, do amor, das pessoas que se deixam conduzir pelo amor. Fala da beleza da mensagem bíblica, da beleza redentora, cuja expressão mais radiante foi a do amor por nós na cruz, da beleza salvadora que resplandece diante de nós na Páscoa. Toda a mensagem da fé cristã é descrita sob o aspecto da beleza.
Existe uma espiritualidade que se limita a fazer exigências. Ela exige de nós que superemos o mal. Mas então, às vezes ocorre que ela está exageradamente fixada no mal, no pecado e na culpa. Ou exige que estejamos comprometidos socialmente. Ela quer mudar o mundo. Sem dúvida, esse é um aspecto essencial da espiritualidade cristã. No entanto, quando mudar se converte em exigência demasiada, a espiritualidade frequentemente perde a sensibilidade para aquilo que já está aí, para o que encontramos no mundo. O belo já aí está. Ele fascina-nos e move-nos por si só a cultivar e cuidar deste mundo, resguardar e proteger o belo e organizar o mundo como Deus quer. Uma espiritualidade que percebe o belo também resulta noutra imagem de Deus. Desaparece o Deus contabilista e controlador, o Deus que pune e julga, e aparece o Deus que, por essência é criatividade, que tem paixão por criar coisas belas. Deus manifesta-se assim como luz que nos ilumina e brilha diante de nós na criação. E Deus é aquele que sacia o nosso mais profundo anseio por desfrutar das coisas. Deus é a verdadeira beleza que podemos apreciar com admiração e devoção.
Uma espiritualidade que passa ao largo da beleza do mundo facilmente se torna uma espiritualidade ascética ou mesmo moralizante. Ela parte constantemente daquilo que o ser humano deveria ser ou fazer. Contudo, quando nos voltamos para o belo, o nosso ponto de partida não são as deficiências do ser humano. Percebemos, muito antes, a plenitude e a beleza da vida, como nos foi presenteada por Deus. Trata-se de uma espiritualidade receptiva. É também uma espiritualidade da gratidão por tudo o que recebemos diariamente.
O ser humano espiritual não é aquele que fecha os olhos e se limita a ascultar o seu íntimo, embora essa seja sem dúvida um aspecto da espiritualidade. Igualmente importante, porém, é que abramos os olhos e olhemos para aquilo que Deus nos mostra diariamente: a beleza da paisagem, a delicadeza das flores, a magnífica força das montanhas, o soprar do vento, o raiar do sol, o canto dos pássaros, o brincar dos peixes na água.
Essa espiritualidade que desloca a beleza para o centro perde todo o aspecto duro, abafado e escuro, que tantas vezes marcou a espiritualidade cristã nos últimos séculos.
É uma espiritualidade da alegria, da vivacidade, da liberdade.
É uma espiritualidade da alegria, da vivacidade, da liberdade.
in Anselm Grun, "Beleza, uma nova espiritualidade da alegria de viver", Editora vozes
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