Atmosferas

Peter Zumthor, um pensador do espaço, um arquitecto suiço, que é também um poeta na combinação dos materiais para criar ambientes em que o ser humano se sente bem, tem um livro chamado "Atmospheres", que creio não estará traduzido no português de Portugal.
Sou muito interpelado pelas atmosferas dos lugares. Numa casa, na minha casa, por exemplo, preciso de me sentir confortável. Prefiro os quartos pequenos a grandes quartos. Gosto de acordar de manhã e ver a luz ainda fraca a bater nos telhados e sentir a frescura do ar. 
Não gosto dos espaços demasiado higienizados. Não me importo com uma portada de madeira empenada e com tinta a cair, se por ela puder espreitar um pequeno vaso de uma flor pendurada na balaustrada da varanda. A escala intimista e a capacidade de apropriação do espaço são dimensões que me trazem bem-estar. Os ingleses têm a expressão "coziness". 


Ontem estive num espaço vazio e tenho pensado como me apropriaria daquele espaço, como o tornaria um "espaço amigo". 

Um enorme salão com três janelas sobre o casario e umas grandes portadas que emolduram o rio e Ponte. O cenário é impressionante. Mas esta palavra impressionante assusta-me um pouco. Não gosto de ser assustado por uma realidade que de alguma forma nos remete para a dimensão monumental. Gosto de ter uma relação de proximidade com as coisas, de diálogo.

Aquela grande sala (cerca de 40 m2) ficaria bem com um piano e para fazer reuniões e visionamento de filmes. Podia ser quase um espaço cultural. Aquelas paredes poderiam albergar quadros e fazer-se cocktails. Mas, isso não pode ser o programa 1. O programa 1 é um espaço para se viver. Pode, em certa medida, conter essa qualidade de espaço para exposições e eventos culturais, se conviver bem com essa primeira intenção. Um espaço cultural parece uma coisa afastada dos humanos. Uma coisa onde se ir, mais do que uma coisa onde se experimenta formas de vida, que nos acrescenta algo.

As paredes são dum branco muito intenso, que me agride também um pouco.

Tendo 2 quartos, num neles seria bem possível criar uma sala mais intimista, espaço de televisão e de biblioteca. São bons quartos mas já sem vista e as casas de banho têm materiais de pouca qualidade e de gosto muito discutível. Há aqui um enorme trabalho a fazer. Difícil. Estou um pouco triste com a idéia de deixar uma janela sobre os telhados da cidade, em que acordo a ver o rio.

Não quero agora mudar  para uma perspectiva em que assisto, tipo montra, a uma Lisboa espectáculo.

Há que dar vida a todo aquele espaço asséptico e despersonalizado. Falta verde ali. Plantas.
Talvez também criar uma charneira entre o dentro e o fora. O fora ainda oprime. Talvez umas leves cortinas creme que filtrem a luz do exterior.

Creio que a grande sala pode ser de facto um local de entrada de luz, filtrada, que poderia ser um ambiente de criação. Para se inventar. Onde se pudesse criar. Que tivesse uma mesa redonda para jantares e reuniões. Que tivesse a possibilidade de nas paredes haver algo de experimental, sem que se as estragasse. 

Nota: sim, a arte de viver M. (stands for both) é algo que penso que já agarrámos. Essa sabedoria de que falas se calhar já levamos em nós ;) 

  



Comentários

Monserrate disse…
Como gostei de ler este texto…imaginei logo esse novo espaço, vi a vista, o enquadramento das janelas, a imensidão de luz a refletir nas paredes brancas. Mudanças são sempre bons ventos na nossa vida.

Desde que saí de casa dos meus Pais, aos 26 anos, já vivi em quatro queridas casas… e como sofro com mudanças… largar sítios onde fomos felizes custa-me; fico saudosista, triste… garanto sempre o mesmo ritual de ser a última a sair e a bater a porta. Olhar as paredes vazias de uma casa à chegada é lançarmo-nos num universo de possibilidades, faze-lo à saída é guardar memorias que ficaram para sempre. A nossa história também é contada pelas casas onde “habitamos”. Como são feitas essas apropriações? Que “atmosferas” criamos para vivermos e sermos mais completos e felizes?

Acho que sei, qual é essa sensação de acordar com uma luz que ainda está a ganhar força, com a frescura leve de um dia que está a começar. Tive uma “casinha” com menos de 40m2 onde o acordar era assim… abria-se a portada de madeira e o verde fresco entrava.

Tenho a sorte de viver numa boa casa, bem distribuída, cheia de arrumação, com boas áreas, um chão bonito, uma vista que é o seu cartão de visita, com janelões grandes, virados a sul, com luz para todos os gostos, garagem onde cabe um mundo, arrecadação onde cabe outro tanto, jardins, parques uma envolvente invejável, comandos para isto e para aquilo... É muito confortável, acolhedora, reconheço a sorte que tenho… mas falta-lhe uma coisa; Ser única, autêntica… ela é uma num lote imenso onde há dezenas iguais. Sei que parece um discurso mimado, presunçoso, insatisfeito… mas não é. Agradeço esta casa e o viver nela, mas esta não será a minha ultima casa, em parte não tem a minha identidade. Falta singularidade. Faltam-me soalhos mais toscos, tetos mais altos, mais “traça”, mais alma… esta arquitetura em massa, para mim tem esta enorme desvantagem… mas nem todos pensam assim e o mundo acaba por equilibrar-se. Não procuro este lado “burguês” e dito sofisticado!

Engraçado, há oito anos também desejei uma sala “que tivesse uma mesa redonda para jantares e reuniões” e ainda hoje cá está. Sempre gostei de mesas redondas onde tudo converge para o mesmo, onde acaba por não haver grandes destaques, dá harmonia, é acolhedora. E tal como a estrutura da nossa casa, também os moveis e a decoração que lhe damos tem de ter muito de nós. As mudanças também são isso… levarmos este nosso querido património e voltar a dar-lhe significado, num novo espaço. Prescindimos de algumas coisas, adquirimos outras, mas se olharmos bem algumas delas estão connosco quase desde sempre.

Quantos de nós já fizemos o exercício de nos imaginarmos num futuro longínquo, numa velhice querida, esperada… em que casa estamos? Como é essa casa? O que comporta? Quem nos visita? Estamos sozinhos ou acompanhados? Passeamos num pequeno jardim todas as manhas? Escrevemos numa mesa virada para uma grande janela cheia de luz pela tarde? Haverá um alpendre fresco para ler?

Acredito que a casa que imagino neste exercício, é a casa que estou a procurar na minha vida… e até lá chegar passarei por aquela, por esta, por outra… não ambiciono nem mais nem menos do que tenho… acredito que todas estas “atmosferas” onde vivi têm bocadinhos dessa casa… e que um dia a saberei reconhecer.

Nota: Passei a pé numa rua sombria, estreita e cheia de movimento… e as janelas das águas-furtadas estavam abertas para deixar entrar aquela aragem fresca da serra que se fazia sentir… Um rapaz de cabelo preto e barba escura fumava um cigarro à janela. Aí dei conta da riqueza do legado dos espaços. O mesmo lugar, as mesmas paredes dão vida a várias vidas a tantas e tantas histórias.

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