Luxos verdadeiros
Quantas
vezes aconselhei aqueles que me pedem ajuda, na sua angústia e no seu
desalento, que se dedicassem à arte e se deixassem invadir pelas forças
invisíveis que operam em nós. Todas as crianças são artistas que cantam,
bailam, pintam, contam histórias e constroem castelos. Os grandes artistas são
pessoas estranhas que conseguiram preservar no fundo da sua alma a sagrada
candura da infância e dos homens que chamamos primitivos, e por isso provocam o
riso dos estúpidos.
A
arte é um dom que cura a alma dos fracassos e dos dissabores. Anima-nos a
cumprir a utopia a que fomos destinados.»
Ernesto Sabato, Resistir
Comentários
Há uma brancura, uma leveza, uma terapêutica nelas... um certo alento, uma ordem, uma predisposição. Quantas vezes há consciência deste encontro? Quantas vezes temos consciência desta singularidade, deste “luxo” que entra na nossa vida, com tamanha clareza… que tudo muda, tudo transforma. Somos resistentes?
Tarda, mas chega… chega numa alegria contagiante, inexplicável que preenche cada bocadinho de nós e que nos dá ainda mais significado. Ficamos leves, soltos, com o coração numa medida diferente… acelera-nos os pensamentos. Somos ativados! O gozo transborda, ganha luz é clarividência, revelação em nós. E neste total elevar da alma, baixamos as guardas, as máscaras, os subterfúgios e entregamo-nos ao que de mais essencial existe… Aparentemente simples, mas dificilmente alcançável!
Quantas vezes nos sentimos assim? Com a alma “embargada” numa gratidão imensa… com um coração “predisposto” e limpo?!
Quantas vezes nos deixamos, verdadeiramente, “(…) invadir pelas forças invisíveis que operam em nós”?
Nascerá aqui a “utopia a que fomos destinados”? Que caminho será este? A onde nos levará? Não corremos o risco de cair num “existencialismo redutor”?
Há um pulsar vital em tudo isto. Se assim não fosse morreríamos!
Não será esta, a nossa maior fraqueza e fragilidade?
Qual o preço destes “luxos verdadeiros”?