Por falar em excelência e Humanidade, dixit António Pinto Leite
“A excelência é como alguém que nos vai
envolvendo sem nunca se entregar, é algo que nos atrai intensamente sem que se
deixe atingir, é um ponto algures entre a motivação absoluta, a exigência
determinada e a insatisfação permanente.
A excelência é o paradigma final da
qualidade. É a qualidade sempre, a qualidade em todos e em tudo, a qualidade no
seu grau mais elevado de perfeição, de seriedade, de sentido ético e de
consciência. A excelência é um caminho inesgotável de exigência, é uma autodisciplina
de respeito por aquele que connosco contrata.
A excelência é uma cultura, é um
compromisso, que as organizações têm ou não têm. Começa na selecção criteriosa
das pessoas, prossegue por mecanismos de controlo e avaliação permanentes e
passa por lideranças capazes de manter a motivação do conjunto. Conseguir um
profissional excelente é fácil. Difícil é obter uma organização de excelência.
A excelência é, por isso, uma armadilha,
porque é insaciável, porque exige tudo sempre, porque desaparece para outra
exigência de cada vez que parece alcançada, porque é pressionante e não se
dilui nunca, porque se interioriza e se confunde com a própria pessoa,
confundindo-a com o seu próprio trabalho.
A excelência não pode ser abandonada a
si própria. Para vencer, o Homem arrisca a perder-se a si mesmo e nenhum
sistema vale a pena se assim for.
É aqui que entra a humanidade.
Humanidade é, antes de tudo, a
consciência do essencial em nós. O essencial, no ser humano, é a sua
necessidade de amar e ser amado, de dar e de se entregar. Não é idealismo, é
assim. O ser humano pode estar, em grande medida, destruído, alienado,
«stressado», esquecido de si mesmo, mas é isto que ele é. Como a excelência, a
humanidade é também um caminho inesgotável de exigência e um exercício paciente
e humilde de confrontação da consciência e de respeito pelos outros.
Humanidade e excelência são dois
horizontes que nunca alcançamos verdadeiramente, mas são os horizontes que, a
par, nos devem atrair.
Se só olharmos a dimensão da humanidade
e esquecermos as exigências da excelência, o nosso empreendimento vai à
falência; se só olharmos as exigências da excelência e esquecermos a dimensão
da humanidade, a vida torna-se um deserto e somos nós, ou os outros, ou ambos,
a ir à falência”.
in, Qual é o Mal, Sopa de Letras, António Pinto Leite, Novembro de 2002
Comentários
Lembro-me do primeiro encontro que tive com a excelência, foi no início do secundário; foi-me apresentada por um professor especial que tornava as aulas de filosofia perigosas, mas dificilmente desinteressantes. Encontrei-a em Aristóteles e desde o dia em que a “reconheci”, nunca mais fui capaz de largar esta exigente forma de reger a vida.
Mais do que um ato isolado, a excelência é um hábito, uma conduta, uma proposta que procuramos viver a cada dia... já não sabemos onde começa ou acaba…“já somos” nesta procura, neste desinstalar, redescobrir, superar.
Aparentemente perigoso se a confundirmos com perfecionismo, naturalmente viciante na resposta criativa com que vincamos a vida. Tem muito de brio, de empenho, de rigor, de autentico, de “trabalharmos” limites, fraquezas, talentos, dons… tem muito de superação, de procura, de autoconhecimento, de avaliação, de seriedade, retidão, verdade…
Seguros que nunca chegaremos ao topo, mas que no limite da alta montanha, quase no pico, haverá sempre “terreno fértil” para ser, para crescer, para acrescentar… Aparentemente mais difícil, mais exigente, mais trabalhoso… mas certamente mais libertador, mais confortante, mais pleno e verdadeiro.
Gosto de aplicar este conceito à vida em geral, à essência da educação em particular. Foi já na faculdade que redescobri a “ética da excelência” a forma brilhante como deve ser aplicada e os frutos que dá. Pena que no nosso sistema de ensino não se “olhe mais” à excelência de cada um.
“Humanidade e excelência são dois horizontes que nunca alcançamos verdadeiramente, mas são os horizontes que, a par, nos devem atrair.” Os dois nascem de uma “vontade maior” que vive dentro de nós… no nosso coração talvez?!