Um jardim para redimir o homem digital
O jardim afasta-me do meu ego.
Não tenho filhos, mas com o jardim estou aos poucos a aprender o que significa
dar assistência, cuidar dos outros. O jardim tornou-se um lugar de amor.
O tempo do jardim é um tempo
diferente. O jardim tem o seu próprio tempo, do qual não posso dispor. Cada
espécie tem o seu próprio horário específico. No jardim, muitos momentos
específicos se cruzam. Os açafrões de Outono e açafrões de Primavera parecem
semelhantes, mas têm uma noção de tempo totalmente diferente. É incrível como
cada planta tem uma consciência do tempo muito marcada, talvez até mais do que
o homem, que hoje de alguma forma se tornou atemporal, pobre do tempo.
O jardim permite uma intensa
experiência temporária. Durante o meu trabalho no jardim, enriqueci-me com o
tempo. O jardim para o qual se trabalha devolve-nos muito. Isso me dá ser e
tempo. A espera incerta, a paciência necessária, o crescimento lento, engendram
uma sensação especial de tempo. Na Crítica da Razão Pura, Kant descreve o
conhecimento como uma actividade paga. De acordo com Kant, o conhecimento
funciona para um "lucro realmente novo". Na primeira edição da
Crítica da Razão Pura, Kant fala de "cultivo" em vez de
"lucro". Que razão Kant poderia ter para substituir "cultivo"
por "lucro" na segunda edição?
Talvez o "cultivo"
lembrasse muito a Kant a força ameaçadora do elemento, a terra, a incerteza e
imprevisibilidade imanentes nela, a resistência, o poder da natureza, o que
teria perturbado sensivelmente o sentimento de autonomia e liberdade do sujeito
kantiano. O assalariado urbano poderá realizar o seu trabalho independentemente
das mudanças das estações, mas isso é impossível para o camponês, que está
sujeito ao seu ritmo. Possivelmente o sujeito kantiano não conhece a espera nem
a paciência, que Kant reduz a "virtudes femininas", mas que são
necessárias em vista do lento crescimento daquilo que foi confiado à terra.
Talvez Kant achasse insuportável a incerteza a que o camponês está exposto.
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