Honi soit qui mal y pense


Lembro-me de estar à conversa com o Vasco Fonseca, médico meu amigo, um bom conversador, pessoa  de pensamento criativo e bons rasgos. "Que líder politico mais admiras?" - perguntava-me o Vasco. Teria lido (e impressionara-me) de Louis Fisher, «a Vida de Mahatma Gandhi». "Bem, escolha um tanto ou quanto especial, isso leva-nos para outras considerações...", respondera-me o Vasco, dando a entender que não seria tanto um político aquela minha escolha. 

Gandhi: um pequeno homem e ainda por cima "vestido de faquir", na expressão irritada de Churchill. Vergara o Império Britânico: creio que nunca na história a força das convicções fora mais forte que a convicção da força; morrera às mãos dum fanático, mas o seu combate fora bem-sucedido, e a Índia conseguiu a sua independência. Certamente um "engolir em seco" fora a única maneira do Reino Unido aceitar que as coisas já não podiam ser como eram dantes. Mas a Inglaterra sempre foi mestre em interpretar os ventos da história e em saber adaptar-se, nada mais do que a velha lição do Príncipe de Salina: "algo tem de mudar para que tudo continue como está"); apenas em relação ao Brexit não se percebeu ainda onde irá levar... Uma Inglaterra "orgulhosamente só"?!

Rishi Sunak é o novo líder britânico. Um "Gandhi" que veio estudar à Europa, mas que por cá ficou, ao contrário do primeiro. Pela segunda vez na história, a Índia parece que mostrou que venceu. Mas ainda não é certo ainda que a vitória lhe pertença, pois, em bom rigor, ainda não se percebeu se Sunak é mais sobretudo um produto britânico e do capitalismo, sendo as suas origens asiáticas apenas um acidente histórico, ou se essas raízes potenciam precisamente essa capacidade de integrar a solução que um novo olhar às vezes permite... 

Têm-se repetido os primeiros ministros britânicos, que novidade traz Sunak? Poderá ser esse salto definitivo para a Commonwealth? Poderá ele fazer essa ponte com a Ásia e com outros territórios que ainda têm o soberano inglês como chefe de Estado, neste tempo em que os laços com a Europa se quebraram?! Se calhar poderá ser a última tabua de salvação dessa velha nação europeia, que dominou os mares... (bem sabemos que, em Portugal, António Costa e as suas raízes goesas são apenas um apontamento biográfico, que pouco acrescentam em relação a qualquer outro líder, mas em Sunak essa ligação é mais efectiva; apenas um à parte: recentemente teve piada o encontro que tiveram os dois no Cairo e podemos quase adivinhar, pelas imagens televisivas, a cumplicidade da conversa...) 

O penúltimo PM, o "apalhaçado" Boris Johnson, conseguiu reunir as simpatias dos conservadores, porque não deixa de ser aquele "old chap" de Eton, o da retórica loquaz pela Rule of Britannia, que tenta imitar o velho Churchill, mal-humorado e resmungão. É o "gajo" carismático, que gostamos, "um dos nossos", parece que quase os ouvimos. Virá amanhã a Lisboa, para falar sobre a Rússia e a guerra na Ucrânia, no 1.º aniversário da CNN Portugal. Confesso que guardo pouco respeito pelo sujeito, embora o ache cómico. Na verdade, o chamado "glamour" inglês não me atinge por aí além pois apesar de valorizar o seu sentido de humor, sei sobretudo que os britânicos acima de tudo o que sempre fizeram foi defender os seus interesses e de forma usualmente bastante cínica: por isso, olho com grandes reservas ao Tratado de Windsor, tantas vezes invocado nas chiques recepções e discursos diplomáticos entre Portugal e Reino Unido. Nisso, acho em certa medida piada ao Dr. Salazar, que ao ter agraciado como Doutor Honoris Causa pela Universidade de Oxford em 1941, dissera que a poderia receber na igualmente antiga Universidade de Coimbra (e não em Oxford), não cedendo a se deixar aprisionar pela espectáculo do "Royal Fireworks" que rodeia qualquer acto solene britânico. Conta a história que depois de ter sido agraciado, perguntou aos ilustres professores britânicos se ainda precisam de algo dele, ao que, recebendo a resposta de que não, se despediu cordialmente (veja-se este apontamento delicioso https://www.youtube.com/watch?v=sunDS7tIglY).

Será este um discurso anti-britânico?! Creio que não. Admiro muito os britânicos, têm uma nação magnífica, quem me dera que Portugal soubesse aprender alguns dos seus bons exemplos. Mas sei que por detrás da pompa e circunstância, há sempre uma intencionalidade. Aliás foi isso que Walter Bagehot o célebre editor do "The Economist" sempre defendeu, reafirmado ainda recentemente de que o segredo da monarquia britânica fora a afirmação de que "we must not let daylight upon magic".  

Não deixa de ser uma ironia do destino que ao admirador professo de Churchill, Johnson, se siga Sunak (Liss Truss ficou apenas 44 dias, não deu para aquecer o lugar sequer...)

Uma peça em 4 actos: 

I ACTO - Victoria e Abdul; 
II ACTO - Churchill e Gandhi; 
III ACTO - Johnson e Sunak;
IV ACTO - (a adivinhar)

De Abddul, criado da Rainha Vitória e de cuja relação se fez recentemente um filme, a Sunak, mais rico que o actual soberano inglês... 

"Não peças a quem pediu e não sirvas a quem serviu" diz o velho ditado português. Um engolir em seco para a velha nação britânica... Mas que se faz e sempre, com uma enorme dignidade no reino de Sua Magestade! "Honi soit qui mal  y pense" dirá o novo Rei Carlos III, como dissera o seu predecessor ao apanhar do chão a liga que se desprendera da coxa da dama com quem dançava... origem da famosa Ordem da Jarreteira... 

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