Sir Anthony Hopkins, Sir João Paulo Dias Pinheiro (da Ferin)
Há filmes especiais e "84, Charing Cross Road" é certamente um deles (antes fazia lista dos melhores filmes daqueles que mais me marcaram e aqui vão alguns deles: A Missão, O Padrinho, A Vida é Bela, o Carteiro de Pablo Neruda, Dança com Lobos, o Cinema Paradiso, les Choristes, The Thin Red Line [Terence Malick], o Clube dos Poetas Mortos, Patch Adams e outros de Robin Williams [uma pena que tenha desaparecido], mas também Shadowlands e Remains of the Day, estes dois em que Anthony Hopkins é protagonista). Spielberg é um génio e são inúmeros os filmes que me marcaram na infância (naturalmente os Indianna Jones!) e não só, já em jovem adulto, como a Lista de Schindler ou o Soldado Ryan, este com Tom Hanks, um actor prolífero (que protagoniza um dos mais excepcionais e mirabolantes enredos num filme de Spielberg, Apanha-me se Puderes).
Anthony Hopkins. Há nele uma densidade humana muito contida - agora que leio a biografia de Angela Merkel diria que também a ele se aplica a mantra da germânica "na calma reside a força"... Talvez melhor do que ninguém seja ele quem melhor empreste às personagens o sentido da dignidade e da nobreza. Não por acaso, acontece em todos estes filmes que referi e neste que irei descrever de seguida, o referido filme "84, Charing Cross Road".
Passado no final dos anos 40 e que se prolonga por vários anos entre Londres e Nova York é uma terna história que narra a correspondência tipo "mala-posta" entre uma viva e original solteira, fumadora invertebrada, apaixonada por livros antigos, que descobre uma livraria do outro lado do Atlântico que lhe vai arranjando, por valores baixos, todos os exemplares esgotados que ela procura em vão em Nova York.
Na livraria, situada justamente em 84, Charing Cross Road, em Londres, um corpo de funcionários que funciona como uma família, sob um modelo empresarial baseado no serviço de verdadeira dedicação ao cliente e num trabalho de pesquisa esmerado (quem conhece o mundo dos livreiros sabe que há em certos casos verdadeiro amor aos livros, uma vida dedicada a guardar relíquias, a juntar obras raras e lindas, que os livros são na verdade obras de arte não apenas pelo que contêm, mas pela qualidade das edições).
Anthony Hopkins é o gerente da livraria e vive com a sua mulher (Judi Dench), com quem se casou nas segundas núpcias dela, tendo uma filha em comum e trazendo ela uma filha do primeiro casamento. À semelhança doutros filmes de Hopkins, empresta à personagem uma dignidade serena, um aristocrata nos modos, tão próprio do melhor sentido de dever britânico. Existem paralelos muito interessantes no filme com Shadowlands: também aqui as diferenças entre a cultura inglesa (mais contida, mas digna) e a cultura americana (mais aberta e directa); mas também com Remains of the Day, embora neste filme, a compostura inglesa chegue ao seu limite.
O fio narrativo deste filme é um relação apenas epistolar, mas que se vai desenvolvendo entre novos pedidos e entregas de livros por correio, em edições forradas a pele, acompanhadas de notas breves, com as contas referentes a cada encomenda. Certo dia Hanff (nome da leitora americana) apercebe-se que em Inglaterra, devido à guerra ainda se vivia em escassez e começa também a enviar de livre vontade produtos então inexistentes devido à escassez em que se vivia então. São verdadeiros cabazes de iguarias (na verdade alimentos correntes como fiambre, mas que faziam as delícias de todos quantos trabalhavam na livraria). Esta amizade alimenta a vida dum lado e outro do Oceano dos protagonistas e é a prova vida de quão rica pode ser uma amizade epistolar.
E já agora, não posso deixar de pensar naquele que era e é um verdadeiro aristocrata dos livros: João Paulo Dias Pinheiro, que já não anda pela Livraria Ferin. A última vez que o vi foi em Outubro em Óbidos, no Folio sempre com o seu chapéu elegante e os seus modos cavalheirescos! Este filme poderia bem ser uma homenagem ao seu trabalho durante tantos anos à frente da Livraria Ferin. É caso para se dizer, Sir João Paulo Dias Pinheiro.
E prova também do seu cavalheirismo é que estava em Óbidos justamente para dar um abraço a José Pinho, um homem de valor que criou a Ler Devagar e que continua a história da Ferin.
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