O cão mau e o cão bom


Há uma velha história que se conta relativa a uma conversa que um avô tem com um neto e em que lhe diz que dentro de nós se trava uma luta entre dois cães: o cão mau e o cão bom. O primeiro é violento, raivoso, impiedoso. Vê o mal no outro e o mais importante para ele é sempre sair por cima. Por contraste, o cão bom é pacífico, amável, generoso; tenta apreciar a vida, preocupa-se com o outro, gostava de poder ser seu amigo. 

O neto pergunta ao avô qual deles irá ganhar e o avô responde: "àquele que mais alimentares".

Esta velha e sábia história retrata na verdade tanto do que se passa connosco e com o nosso mundo interior, na gestão das nossas emoções.

O cão mau na verdade não nasce mau. Ele é o nosso instinto para a segurança, o nosso instinto de sobrevivência. A sua existência é essencial para nos protegermos dos ataques exteriores. No entanto, quando o alimentamos demasiado, ele ganha ânsias de domínio, porque está sempre preocupado com o próximo ataque.

Quando sentimos que o nosso ego é atacado, o mais natural é erguermos muros defensivos, montarmos torres altaneiras, ficarmos de atalaia. Sentimo-nos acossados, diminuídos, o outro passa a ser pessoa non grata. Com isso, parte das nossas relações ficam poluídas, isolamo-nos, refugiamo-nos. O resultado disto tudo é que deixamos de ser pessoas alegres, bem-dispostas. O nosso estado emocional fica como a dum cão raivoso. Na verdade, o nosso ego é caprichoso: gostaríamos muito que os outros olhassem para nós e nos elogiassem, dissessem que somos pessoas maravilhosas, lindas e cheias de raras e únicas qualidades. Enfim, que se nos prostrassem em adoração. 

As relações com os outros são de alguma complexidade. Temos que saber respeitar a liberdade do outro, mesmo quando não concordamos com o que o outro faz com essa liberdade, mesmo quando gostaríamos que o outro fizesse com a sua liberdade algo de diferente, sobretudo que nos amasse. A verdade é que, por vezes, somos abandonados, deixados sós. O outro não nos ama, ou não nos sabe amar como gostaríamos. Enquanto seres sociais, precisamos dos outros. Mas nem sempre é assim: por vezes desejaríamos dos outros determinada reacção e ficamos desiludidos. Tínhamos uma certa expectativa e a expectativa, vemos, acaba por estar muito além do que acaba por suceder.

Há que ter os pés na terra, baixar expectativas muitas vezes. Sermos realistas obriga-nos a ter um olhar mais objectivo, mais neutro, mais distante. Se alimentarmos o cão bom, é a vida que se transforma, aprendemos a ver que apesar de tudo, a vida vai-nos dando muitos motivos de alegria, tantos momentos de cumplicidade com o outro, tantas ocasiões para aprendermos a viver. Deixamos o queixume, aquilo que achamos que nos é devido, arregaçamos as mangas e tentamos construir algo.



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