Os afectos
Desde que me lembro fiz planos na minha vida: quando era novo e estava de férias fazia planos para os dias que se seguiriam. O mais difícil para mim é concentrar-me num plano e levá-lo do princípio ao fim. Confesso que já fui pior nesse capítulo e consegui, nomeadamente, acabar o projecto do livro e os projectos dos estudos - que não foram fáceis.
Mas o que para mim também é importante é que, ao longo dos projectos, também beneficie um pouco do caminho, que goze o caminho. Há poucos dias a Léa abriu os meus olhos para este aspecto: como é importante que não seja só aquela tarefa a fazer, mas que se goze a tarefa.
Verdadeiramente as pessoas que estão apaixonadas por aquilo que estão a fazer, vivem esse encantamento que acaba por ser transbordante e contagiar os outros.
Esse grande sonho para a vida - curioso que o Quico, meu irmão me falava disso no carro, enquanto vínhamos do Alentejo - não é ser rico. Não é mesmo porque o ser rico é um reducionismo da vida que a empobrece (paradoxalmente). Mas realmente não é um paradoxo, porque a verdadeira dimensão da vida não está no ter. Não está mesmo.
Tenho tentado que a verdadeira dimensão da vida não esteja também no parecer. É que está para muitas pessoas nessa dimensão. É claro que é uma dimensão redutora da própria vida.
A verdadeira dimensão da vida deveria estar cada vez mais nos afectos entre as pessoas.
E parece-me que a vida do dia-a-dia coarta essa necessidade cimeira da nossa vida de nos ligarmos pelos afectos. A verdadeira dimensão da vida devia estar na amizade e no amor. Mas como sei que difícil manter uma amizade, e que dificil é também manter uma relação de amor. Passamos a maior parte do nosso tempo a zangar-nos uns com os outros, em vez de nos rirmos e de nos gostarmos. É uma pena. Eu falo por mim, por vezes mal disposto e rabugento, não tendo a grandeza e a inteligência de buscar no convívio os laços comuns. Hoje discuti estupidamente com o meu pai sobre um assunto teórico, como tantas vezes discuto - seja ela política, sociedade. Ele é teimoso e acha sempre que tem razão, mas eu também sou estúpido e não sei mudar de registo.
Não me parece que a verdadeira dimensão da vida esteja no ser ou no parecer. Mas o grande salto para o amor há que dá-lo todos os dias. Amando-nos a nós mesmos e amando os outros. Não é fácil amarmo-nos: estamos constantemente também a zangar-nos connosco próprios. Se calhar esta é a minha maior ferida...
Comentários