Un affaire d´amour
Por hábito e contando com o apoio generoso dos meus pais desde que tinha 15 anos e até ao 1.º ano da faculdade, que durante as férias passava um mês num país estrangeiro a aprender a língua desse país. Depois de ter estado uma vez na Irlanda e duas em Inglaterra, no ano em que entrei para a faculdade fui para Tours (Tourraine), a capital do Vale do Loire. Era eu e o António Lopes Cardoso.
A descoberta dos Chateaux do Loire foi uma verdadeira maravilha: Chenonceaux, Amboise, Azais-le-Rideau, Villandry, etc.
Devo dizer que a minha vontade de aprender a falar francês partiu duma visita que fiz a casa da Marquesa de Cadaval, suponho que numa ceia de Natal e em que muito dos convidados falavam francês. A partir desse momento achei que para ser uma pessoa culta era preciso falar francês...
Contudo, a entrada na Universidade esfreou o meu interesse em aprofundar o meu francês, o que só mais tarde voltou a ocorrer.
E julgo que o factor determinante que estava nesse retomar do francês foi o facto de ter percebido que a minha família Mayer tinha raízes em França, e que era uma pena estar-se a perder o património desta língua, hoje muito menos falada. Sempre embirrei com modas e gostei de ir um pouco contra a corrente. É um bocado o meu feitio...
Quando surgiu a oportunidade de passar uma temporada durante o estágio de advocacia noutro país pedi que tal fosse em França, em Paris. A opção mais óbvia, e a que em princípio me seria proposta, seria Londres. A experiência foi algo que vivi a 200%. Não apenas adorei a cidade como adorei como se exercia a profissão em Paris. O escritório era num dos melhores bairros, na Boulevard Raspail. Do gabinete onde estava - todo forrado a madeira - via-se a Igreja de S. Sulplice.
Logo no dia que cheguei aquela cidade, com a sua arquitectura, deu-me um conforto, diria mesmo, alegria esfuziante. Há tempos, quando li um óptimo livro de Pedro Strecht em que ele liga arquitectura e psicologia percebi que esse sentimento é natural (Uma Certa Harmonia, Notas sobre Arquitectura, Urbanismo e Saúde Mental Infanto-juvenil, Assírio & Alvim 2011).
O escritório era muito simpático, trabalhava com uma advogada francesa, a Florianne. Muito parisiense, vestia-se lindamente e todos os dias exalava o seu perfume. No 1.º de trabalho ela convidou-me para almoçar e fomos comprar umas sandwiches ao "Bon Marché", e depois fomos para um parque onde nos sentámos num banco a comer e a conversar.
O edifício do escritório era um edifício do séx. XIX, tipicamente haussmaniano, elegante. Subia-se ao 4.º andar para aceder ao escritório por um elevador com portas de ferro forjado. Era um "must" como diria o meu amigo José Losada. Todo o escritório era simples, mas confortável e bonito. Tinha uma biblioteca com estantes brancas e era bem iluminado por luz natural.
A equipa que me recebeu era impecável: Michel Lacorne e David Potier. A Florianne partilhava o meu gabinete, mas não estava integrada na mesma equipa e o seu chefe não era lá muito simpático.
Esse tempo em França foi um tempo de grande qualidade. Foi nessa altura que eu criei um laço difícil de quebrar com a língua francesa, a que muito se deve as minhas idas à missa em S. Germain des Prés em que a estética da língua se evidenciava.
Esta temporada em Paris foi na melhor altura do ano, aquela de que mais gosto: Setembro e Outubro.
Uns anos depois voltei a S. Germain des Prés. Fiquei instalado em casa duma Senhora amorosa, a M. Nogués, na Rue du Bac e frequentei um curso em Ciências de Educação, na Rue de l'Abbaye.
A casa de M. Nogués era uma casa vivida, cheia das suas recordações. Dava para um pátio cheio de luz onde viviam mais pessoas da sua família. Nas paredes, memórias: muitos quadros e alguns bons. Estantes cheias de livros, desde Cocteau, passando por livros de países do "Empire", sobretudo do Magrebe, Egipto, etc.
Aproveitei da conversa desta Senhora, muito delicada e atenciosa. Em certa medida, lembrava-me a minha avó.
Há uma maneira muito francesa de gozar a vida e uma estética também muito própria, feita de amor pela luz e pela conversa. Há uma maneira muito chique, que não é senão francesa. Se isso se perde um pouco, não sei. Tem graça que passei por Aix-en-Provence - mais perto de Itália, do que de Paris, e não deixa de haver um pouco de Paris; é mediterrânico, é certo, mas na arquitectura, nos cafés e esplanadas, na limpeza e aprumo, tudo é muito francês, e, se calhar, também parisiense; ou se calhar Paris é muito francês...
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