Em Tiradentes
mestre na arte do encontro
Sentado numa boa poltrona, no Solar da Ponte, o mais bonito solar de Tiradentes, escrevo esta pequena crónica. O meu dia começou em Belo Horizonte e até cá chegar andei cerca de 200 km, vindo de automóvel. Embora o meu plano fosse começar a fazer economias - assim como uma dieta, pois os gastos duma viagem desta não são para menosprezar... explico porque escolhi um alojamento caro:
Uma das minhas amizades em Belo Horizonte foi a dum segurança do Museu do Estado de Minas Gerais, o Senhor Mário de Jesus, alguém que quando soube que eu era português ficou muito feliz. O seu irmão é Vice-Cônsul em Lisboa, no Chiado (perto de minha casa portanto). Ele próprio é descendente de portugueses (duma aldeia perto da Serra da Estrela). Conversámos e fiquei a saber que ele vivia entre Belo Horizonte e Ouro Preto. Pensei cá para mim: "tenho um amigo já em Ouro Preto", para onde quero ir na 4.ª feira. A nossa conversa levou à troca de "whatsups" e a um convite inesperado para almoçar em casa dele, afinal éramos "patrícios" como ele me apresentou por telefone à sua mulher, Fátima (descendente de sírios; "sabe, Fátima é nome árabe e português...?").
Esta manhã tinha o Senhor Mário à minha espera no lobby do hotel. E, tendo companhia fui com ele à "locadora", onde "peguei" um automóvel e, juntos, partimos para o almoço. O meu amigo patrício vive ao lado duma favela, num condomínio pobre, vedado por muros e portões (mesmo a gente humilde vive separada dos miseráveis). Mal chegámos à sua casa, e depois de se colocar mais à vontade (calção e tronco nu), pôs a tocar música de Carnaval ("todo o ano vou ao Rio ao Carnaval sambar"). Este senhor, que não me conhecia de lado nenhum abriu as portas de sua casa e, com tamanha generosidade, pôs música a tocar e deu-me de comer e de beber. A gratidão não me permite agora comentar o qualidade da refeição, mas acho que não cometi a indelicadeza de lho fazer notar.
Se há coisa que por mais que tentemos é sempre difícil de fazer é termos a capacidade de encontrar e tentar viver a diferença, sobretudo quando vimos de contextos digamos assim, "mais confortáveis". A pobreza no Brasil é muito flagrante. E, enquanto seres humanos não podemos ser a ela insensíveis.
Sabe porém bem chegar "a casa" e dormir rodeado de coisas familiares, como o conforto deste bonito solar de Tiradentes, que poderia bem ser o de uma casa senhorial no Norte de Portugal - por exemplo a dos meus tios Zé e Maria do Carmo em Nelas, na Região do Dão.
Porque precisava de me sentir "em casa" não fiz economia e dieta (quando cheguei ofereceram-me um chá com bolinhos). E para provar que era mesmo este o local a ficar conto uma outra história, caricata: à chegada a senhora da recepção perguntou-me se eu já cá tinha estado; eu disse-lhe que era a primeira vez em Tiradentes. "Que estranho, esteve cá um senhor com o seu nome. Duarte Mayer de Carvalho. Não é o senhor?!"; "Meu tio, primo da minha avó!!"
O tio Duarte era um encanto de pessoa, muito divertido e muito conversador, avô dos meus amigos Stilwell. Estava sempre a meter-se com toda a gente. Com esta, senti-me mesmo logo em casa.
E com o mote do tio Duarte - um mestre da arte do encontro, darei a conhecer nas próximas crónicas algumas das pessoas que conheci e que encontrei tanto em Belo Horizonte como na Praia do Forte e que me fizeram pensar em outros encontros...
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