Sustentabilidade e Diversidade Social em Lisboa

No espaço de qualquer cidade colocam-se questões de diversidade e coesão social. Uma cidade que seja espaço onde seja possível a convivência na diversidade é naturalmente mais rica e mais resiliente.  Antes de mais, deve partir-se do rico tecido social de que a cidade é composta e ter bem presente que o ADN da cidade é a rede de afectos e de solidariedades existentes. Potenciar a coesão social, atrair e fixar a população jovem, atender às necessidades das comunidades e às necessidades dos mais frágeis como da população idosa em crescimento, pede respostas integradas e imaginativas que apelam às capacidades de mobilização de todos enquanto sociedade. Por outro lado, a “cidade” extravasa a autarquia e isso requer políticas de coesão entre zonas efervescentes e zonas de vocação residencial. Mobilidade, habitação e emprego viabilizam a coesão social e implicam que se pense na cidade metropolitana.






1. O ACESSO À HABITAÇÃO
Mercê de vários factores, Lisboa tem sido ao longo do tempo uma cidade em que na verdade tem existido uma grande diversidade social. Se compararmos com cidades como Paris ou Londres, mesmo no centro de Lisboa existem bairros onde extractos sociais diferentes partilham o espaço entre si.
Uma explicação para este fenómeno pode encontrar-se em boa verdade no acesso à Habitação e ao sistema de congelamento de rendas, cuja introdução advém de há mais de 100 anos, do período da 1.ª República, reforçado com o Decreto 5411 de 1919, que torna o congelamento das rendas permanente[1]. O Estado Novo mantém o sistema essencialmente com a Lei 2030 (1948), mas existe maior estabilidade do valor da moeda do que na 1.ª República, o que é factor de equilíbrio; no entanto em 1969, um estudo do conselheiro Gonçalves Pereira para o Ministério da Justiça conclui que as rendas estavam entre um quinto e um quarto do valor que teriam se acompanhassem a desvalorização da moeda. Com a Revolução de 1974, a tendência é reforçada e o processo de flexibilização só se inicia com a entrada na União Europeia, mas sem sucesso e depois com o NRAU de 2006 (que consagra um sistema gradual de aumentos), processo retomado e repensado novamente em 2012.
Há que reconhecer que durante décadas os proprietários têm assumido uma função social, suportando rendas que por vezes mal chegam para pagar o IMI dos seus imóveis, condomínios ou obras de conservação, pois o custo de vida aumentou de forma muitíssimo desproporcional aos valores administrativos de actualização de renda anuais, senão vejamos:

Desvalorização da moeda

Entre 1911 e
1930                                                                 22,19

Entre 1937 e
1948                                                                02,14

Entre 1974 e
1985                                                                 09,28                                                   

Entre 1985 e
2006                                                                 03,30

Entre 1911 e
2016                                                            3.872,91

Fonte: Portaria n.º 326/2017, de 30 de Outubro (Coeficientes de desvalorização da moeda a aplicar aos bens e direitos alienados durante o ano de 2017)

Em 2012, o Estado assumiu a responsabilidade de ao fim de 5 anos se responsabilizar por auxiliar com um subsídio de renda quem tendo mais de 65 anos não as poderia pagar, mas esse período foi em Junho de 2017 dilatado para 8 ou 10 anos, consoante os casos. Refira-se que em Lisboa, já cerca de 25% da população tem mais do que 65 anos. Este aliás trata-se duma dimensão da nossa sociedade que não podemos escamotear, com múltiplas consequências.
A regulação dos arrendamentos pelo mercado tem naturalmente efeitos na menor diversidade social da cidade, mas isso já está a acontecer mesmo havendo regimes protegidos. Em abono da verdade, o crescente investimento imobiliário na cidade produz esse efeito através da livre negociação entre novos senhorios e antigos arrendatários para a sua saída: a transacção de bens imóveis para fins com maiores retornos financeiros traduz-se na negociação e acerto de indemnizações. Com o custo m2 na cidade de Lisboa a subir é economicamente mais vantajoso pagar uma indemnização de 20 ou 30 mil euros do que “aguentar” rendas de 150 euros cuja situação está congelada por efeito das protecções legais, pelo que é essencialmente o mercado a ditar o que se passa.

  1. A ATRACÇÃO INTERNACIONAL DE LISBOA E A DIFICULDADE DE INVERTER A PERCA DE POPULAÇÃO
Está a assistir-se em Lisboa a um fenómeno associado ao turismo e à atracção de investimento internacional (dados os ganhos comparativos com outras cidades europeias e outros factores como a estabilidade, continua a ser vantajoso investir nas nossas principais cidades), que se traduz num aumento do custo da habitação sobretudo nas zonas históricas, mas que já se está a manifestar num alastramento a outras áreas da cidade.
Este fenómeno tem tido como consequência que desde há cerca de 5 anos é difícil inverter a tendência para a perca de população e a fuga para os concelhos limítrofes, à semelhança do que sucedeu sobretudo na 2.ª metade da década de 80 e durante toda a década de 90.
Nos concelhos limítrofes, o preço do m2 é cerca de metade do praticado em Lisboa. Apesar desta realidade, que poderá ter efeitos positivos por uma retoma generalizada da economia, espalhada por um território mais vasto que a cidade de Lisboa - recorde-se que com a crise do imobiliário de 2008, assente num modelo de construção nova com a expansão de núcleos urbanos, ficaram abandonados inteiros empreendimentos às portas de Lisboa, aquela medida que justamente foi tida como o eixo estratégico da revisão do PDM de Lisboa de 2012, a saber, trazer população para o concelho, está comprometida com este aumento de preços do m2.

  1. PROBLEMAS ESTRUTURAIS NA SOCIEDADE - PIRÂMIDE DEMOGRÁFICA
Portugal é o pior país da União Europeia relativamente ao índice de natalidade e o 5.º pior a nível mundial. Esta questão tem por efeito a evidente a dificuldade de fazer face à “factura social”, isto é pagar de pagar o sistema de protecção social, cuja sustentabilidade está ameaçada pela inversão da pirâmide demográfica.
Cremos que um alívio no custo fiscal das famílias e uma fiscalidade mais amiga dos agregados familiares, poderia reflexamente traduzir-se numa maior facilidade de revitalizar a cidade. Nesse sentido, da mesma forma que houve elasticidade na procura com os incentivos fiscais a repatriados (golden visa; sistema do residente não habitual), deveria haver um pacote de medidas para as novas famílias. Países como França fizeram isso no passado, com sucesso[2].
Além de incentivos fiscais outras medidas que se traduzissem num incentivo à natalidade (como por exemplo diminuição e maior flexibilidade dos horários de trabalho), matérias aliás que estiveram recentemente em discussão na Assembleia da República, há questões que se prendem com externalidades da oferta pública melhorada ao alcance do Município, como um sistema de transporte amigo das famílias e de crianças em idades escolares (com a Carris por exemplo), rede de escolas de qualidade, bibliotecas e acesso à cultura, desporto escolar, que fariam com que os custos associados a viver na cidade pudessem decrescer.
Nesse sentido e, como aposta numa cidade mais densa e pensada para as famílias, diminuem-se os custos de contexto por via duma melhor gestão dos recursos. Nesta óptica, seria  interessante olhar para exemplos internacionais como os da cidade de Estugarda na Alemanha, em que o seu antigo Presidente da Câmara Municipal, Wolfgang Schuster tinha como objectivo tornar a sua cidade a melhor cidade do mundo para as crianças viverem.
Tudo isto passa por aquilo a que se chama uma melhor “accountability”, cultura de avaliação dos serviços e possibilidade de acesso a informação comparativa. É algo que deve ser transversal à nossa sociedade, num tempo que é já de aprofundamento democrático. Ou seja, uma relação mais adulta entre agentes, sejam públicos ou privados e a possibilidade de escolha por parte das pessoas.


Ferramentas como o Índice de Bem-estar (IBE), desenvolvido pelo INE em aplicação de estudos e orientações internacionais e que disponibiliza, numa base regular, resultados que permitam acompanhar a evolução do bem-estar e progresso social em duas vertentes determinantes – Condições materiais de vida das famílias e Qualidade de vida, são pois de grande utilidade.
O índice desagrega-se em dez domínios de análise:

Condições materiais de vida: 1) Bem-estar económico; 2) Vulnerabilidade económica; 3) Trabalho e remuneração;

Qualidade de vida: 4) Saúde; 5) Balanço vida-trabalho; 6) Educação, conhecimento e competências; 7) Relações sociais e bem-estar subjetivo; 8) Participação cívica e governação; 9) Segurança pessoal; 10) Ambiente.

Ferramentas como esta de avaliação e utilização de técnicas como a dos ganhos marginais, em que se estuda a realidade decompondo-a em problemas e sub-problemas, com projectos-piloto e grupos de controlo, permite ver o sucesso das políticas. Não há pior resultado do que o “atirar dinheiro para cima dos problemas”, não testando e avaliando estratégias de intervenção.


ALGUMAS QUESTÕES

Importa assim colocar as questões centrais neste debate:

Que efeitos terá a possibilidade de uma menor diversidade social na cidade? Existirá o perigo de criação de bairros tipo “guetos” ou tipo condomínios privados? Maior perturbação social?

As populações migrantes sentem-se integradas na cidade?

Como está a sociedade em geral a reagir a uma população cada vez mais idosa na cidade de Lisboa? Que respostas serão necessárias?

Como respondemos enquanto sociedade à necessidade de trabalharmos em rede e a uma melhor “accountability”?

Como proposta deste novo mandato do Executivo Camarário a criação de cerca de 6.000 novas casas a rendas acessíveis (T0 e T1 a cerca de 150/200 euros a T4 entre os 400/600 euros mês), através de casas da CM de Lisboa e de acordos com privados, Segurança Social e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, será uma medida suficiente para inverter a perca de população?

Poderia ser criado um pacote de medidas em articulação com o Estado para atrair mais pessoas, nomeadamente famílias ao centro da cidade, aproveitando por exemplo regimes como o das Áreas de Reabilitação Urbana, em que não deveria ser apenas o edificado a ser requalificado? Que medidas porderiam ser utilizadas?

Continuar o modelo da “mancha em óleo”, para os concelhos limítrofes, não agravará ainda
mais problemas como os da gestão de um tráfego crescente e o problema da poluição? Menor qualidade de vida devido à vida pendular?

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