Querido Noah

 
Querido Noah, 
Escrevo-te esta carta à luz da vela enquanto estás deitado a dormir no quarto que partilhamos desde o dia em que casámos. E embora não possa ouvir os sons harmoniosos do teu sono leve, sei que estás aí, e que em breve estarei deitada a teu lado como sempre faço. E irei sentir o teu calor e o teu conforto, e os sons da tua respiração irão guiar-me devagar para o lugar onde posso sonhar contigo e o homem maravilhoso que tu és. E irei sentir o teu calor e o teu conforto, e os sons da tua respiração irão guiar-me devagar para o lugar onde posso sonhar contigo e o homem maravilhoso que tu és. 
Vejo a chama a meu lado e recorda-me de outro fogo há décadas, comigo a vestir as tuas roupas de casa e tu de calças de ganga. Sabia então que ficaríamos juntos para sempre, mesmo quando hesitava no dia seguinte. O meu coração tinha sido conquistado, preso num laço por um poeta sulista, e sabia cá por dentro que tinha sido sempre tua.
Quem era eu para questionar um amor que cavalgava as estrelas cadentes e rugia as ondas que se esmagam? Porque era isso que acontecia entre nós então, e o que acontece hoje. É isso que estou a fazer agora
… Estava a tremer quando saí do carro, mas tua afastaste tudo com o teu sorriso e pelo modo como me estendeste a mão “Que tal um pouco de café?” foi tudo o que disseste. E nunca mais falaste no assunto. Nestes anos todos que passámos juntos. Nem me fizeste perguntas quando eu quis partir e passear sozinha nos pouco dias seguintes. E quando regressei com os olhos cheios de lágrimas, sempre soubeste quando precisava que me abraçasses ou apenas que me deixasses estar. Não sei como o sabias, mas sabias, e tornaste tudo mais fácil para mim. Mais tarde, quando fomos à pequena capela e trocámos as nossas alianças e fizemos os nossos votos, olhei-te nos olhos e soube que tinha tomado a decisão correcta. Mas, mais do que isso, sabia que tinha sido tonta…
Passámos uns tempos maravilhosos juntos, e penso muito nisso agora. Fecho os olhos por vezes e vejo-te com manchas de cinzento no cabelo, sentado no alpendre a tocar a tua guitarra enquanto os pequeninos brincam e batem as palmas ao som da música que crias. As tuas roupas estão manchadas por horas de trabalho e tu estás cansado, e embora te ofereça tempo para descontraíres, sorris e dizes. Acho o teu amor pelos nossos filhos muito sensual e excitante. “És um pai melhor do que pensas,” digo-te depois, quando as crianças já estão a dormir…
Amo-te por muitas razões, especialmente pelas tuas paixões, porque foram sempre por aquelas coisas que são as mais belas da vida. Amor e poesia, e a paternidade, e a amizade, e a beleza, e a natureza. E estou contente por teres ensinado às crianças estas coisas, porque sei que as vidas delas serão melhores por causa disso. Elas dissem-me como tu és especial para elas, e sempre que o fazem, levam-me sentir a mulher mais afortunado do mundo…
És o meu melhor amigo bem como o meu amante, e não sei de que lado de ti gosto mais.
Acarinho ambos os lados, como acarinhei a nossa vida juntos. Tens algo dentro de ti, Noah, algo de belo e forte. Bondade, é o que vejo quando olho para ti agora, isso é o que toda a gente vê. Bondade. És o homem mais cheio de perdão e paz que conheço.



Comentários

Monserrate disse…
Bom livro este… li-o numa noite… não queria que acabasse… acho que acontece em muitas das nossas boas leituras. A primeira vez que o li, talvez pela minha idade, centrei-me apenas nesta paixão louca, que chega e se instala, que nos consome e nos invade, nos desorienta e que deixa marcas para toda a vida… centrei-me neste reencontro, neste recomeço, neste reacender da paixão…como se a vida tivesse parado e apagado o tempo… e nos desse mais uma oportunidade de viver o que ficou lá atrás. Acho que foi o meu primeiro olhar sobre este livro.

Mais tarde reli-o um bocadinho mais velha e centrei-me unicamente na figura desta personagem. Um homem que vive a paixão, vive o não retorno dessa paixão, vive a promessa que tinha feito, vive a tribulação, a solidão, a perda, a privação, o abandono, a melancolia, a espera… e talvez estar em tudo isto a chave deste final. Não são muitos os Noahs… acredito que o mais fácil é aceitar a fuga da Allie, fechar numa gaveta aqueles anos, guardar… mas olhar em frente e seguir. Há quem a ache imatura, mimada, caprichosa… acho-a sobrevivente.


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