Diogo Freitas do Amaral - "mais 35 anos de Democracia (Memórias Políticas III)"
Das minhas primeiras memórias sobre a política conta-se o daquelas eleições presidenciais de 1986, em que o País viveu em suspenso e com uma enorme vibração, dividido entre Freitas do Amaral e Mário Soares.
Freitas do Amaral morreu recentemente, foi uma figura muito importante da nossa democracia.
Vi-o há cerca de 3 anos nos anos do José Sarmento Matos, meu amigo também já desaparecido (um pouco antes de Freitas) e de quem era cunhado.
No ano passado, em Outubro, o meu amigo Joaquim Mendia, que havia sido assistente do Freitas na montagem do curso de Direito do Urbanismo, ofereceu-me este livro, cujo título dá nome a esta entrada hoje no blog.
Freitas do Amaral escrevia magnificamente: uma escrita simples, clara e despretensiosa. Um homem de grande capacidade intelectual, um pedagogo. É por isso verdadeiramente um prazer ler estas memórias.
Há algo um tanto ou quanto desconcertante neste homem: é um homem que não criou seguidores, dele não nascem facções. Isso ter-lhe-á pesado no seu fado. Estava destinado a grandes voos, mas somou mais derrotas do que vitórias. Teve azar.
Penso que o País lhe deve uma justa homenagem enquanto homem público, enquanto académico, enquanto cidadão que o foi de forma exemplar, empregando a sua inteligência para ajudar a criar um país melhor.
A direita não lhe perdoou alguns gestos de independência, mas verdade seja dita, Freitas também não percebeu que na política como à mulher de César não basta ser sério; também é preciso parecer sério. E o seu problema é que foi uma voz isolada, demasiado só. Por isso talvez também o título do livro albergue o subtítulo "Um percurso singular". Creio que Freitas do Amaral não foi indiferente a esse "virar de cara" com que a direita foi marcando tantos dos encontros (ou melhor, os desencontros) que foi tendo com ele. Aliás, penso que lhe ficou uma certa amargura, algo com que ele não lidou nada bem. O que é pena, porque o seu percurso poderia ter sido mais feliz e acabou por ser um homem que aceitou cargos que creio honestamente que, para bem da sua tranquilidade, não deveria ter aceite, como a de Ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates. Em boa verdade, o nosso amor-próprio pede-nos por vezes algum recato, pois é muito triste sentir que nos viram a cara na rua, como sei que tantos lhe fizeram. Não deveria ter aceite esse cargo, sobretudo por amor-próprio. Porque a incompreensão magoa muito, e não temos que nos sujeitar a ela.
Freitas do Amaral gostava do poema "Se" de Kipling:
Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão…
Freitas do Amaral acrescentou qualidade à vida pública em Portugal. Fê-lo com a inteligência do pensador e do académico, empregando as suas muitas qualidades ao serviço do País e dos Portugueses. Em cargos políticos, mas também sempre que, com a sua rara inteligência e capacidade de exposição, como cultor da ciência política e professor de Direito Público, como mestre e promotor da qualidade e constante melhoria da universidade (fundador por exemplo do curso da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa) e mais latamente da democracia, elevou o debate e a reflexão.
Este livro é um bom testemunho dum homem que se implicou e que se entregou em tantos e bons combates; foi pena porém os muitos amargos de boca, que o fizeram sofrer e nem sempre apaziguar a sua alma - e que me parece, por vezes, o levaram a posições para além do que seria sensato.
A sua verdadeira vocação sempre foi mais a de pedagogo, do que a de político. Se tivesse sido Presidente da República, teria aí podido ser pedagogo - ficou muito perto disso, mas perdeu. No entanto, quis continuar jogar a política que não era bem para ele - e pagou um elevado custo por isso. Mário Soares não tinha nem a sua inteligência, nem a sua bagagem, era um homem muito mais prosaico que Freitas do Amaral, cuja natureza era verdadeiramente a dum académico.
Creio neste aspecto que Adriano Moreira, percebeu muito melhor do que ele que a sua vocação também era muito mais a de académico e, talvez por isso, não o tenhamos visto a ter mais experiências políticas depois dos seus famigerados 4,5 % de votos do CDS: leu e interiorizou melhor do que Freitas o célebre ensaio de Max Weber, "a política como vocação". E afastou-se da política activa, razão porque da direita à esquerda permanece um homem prestigiadíssimo.
Comentários