Prisão Perpétua

Nos últimos dias a propósito das campanhas presidenciais, um dos candidatos veio à liça uma vez mais para defender a prisão perpétua em Portugal. Entre um e o outro candidato a questão que se colocou seria se era ou não maioritária na Europa. É de facto maioritária na  Europa.

A pena máxima em Portugal são 25 anos e Portugal foi o primeiro país do mundo a abolir a pena de morte em 1884. Aliás, vendo o mapa do mundo e os países onde a pena de morte foi abolida, regista-se que foi essencialmente nos países colonizados por Portugal e pela Espanha que se destaca um limite máximo de penas. A nossa génese católica diferencia-nos dos países protestantes onde não se perdoa tão-facilmente.

A Espanha tem neste momento uma forma de prisão perpétua de facto, isto é, admite que a moldura penal para certos crimes possa ser de 40 anos, com possibilidade de revisão, convertendo-se em tendencialmente perpétua.

É preciso não esquecer que Espanha foi durante muitos anos palco de violentos ataques terroristas perpetrados pela ETA. Em 2015, o terceiro pacto anti-terrorista assinado pelo PP (então governo) com o PSOE visa prever as novas formas de criminalização terrorista jihadista, nomeadamente a criminalização de endoctrinação e introduz uma medida de pena potencialmente perpétua (moldura máxima de 40 anos de pena, que pode ser continuada). Em 2018, crimes de sangue dentro de relações familiares acabam por reintroduzir a questão da prisão perpétua.

Em Portugal, o Governo de Passos Coelho e o Partido Socialista também discutiram a possibilidade de alteração das medidas penais para atender ao terrorismo.  Actualmente a moldura penal para a montagem e ajuda a organização de entidades terroristas foi alargada para uma moldura de 8 a 15 anos. 

E a lei estabelece também:

"Quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação terrorista é punido com pena de prisão de 15 a 20 anos";

"Quem praticar actos preparatórios da constituição de grupo, organização ou associação terrorista é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos".

Sou contra a prisão perpétua, mas não me repugna a possibilidade de aumento das molduras penais em Portugal, sobretudo para casos de graves crimes de sangue, praticados com requintes de malvadez e premeditação, contra membros especialmente vulneráveis como crianças ou idosos e para actos de terrorismo que têm um efeito muitíssimo grave sobre a paz da sociedade, introduzindo um sentimento de grande insegurança.  Creio que em todos estes casos deveria haver aumento da moldura penal e que não deveria ser tolerada a saída ao fim do cumprimento de cinco sextos da pena, o que actualmente equivale a libertar quem tenha cumprido já cerca de 20 anos de prisão.

Deveremos questionar-nos se na comunidade não existirá um sentimento de injustiça quanto à possibilidade de uma pessoa que cometeu crimes muitíssimo graves ser libertada ao fim de 20 anos e eu creio que em certos casos poderá haver.

Esta discussão tem que ser feita também e, necessariamente, com dados que permitam aferir em que medida uma maior penalização funciona como forma de dissuasão dessa criminalidade mais violenta.  Estará a aumentar em Portugal?  

Segundo os estudos da Global Peace Index 2020 (organizado pela Vision of Humanity e pelo Institute of Economics and Peace), Portugal é depois da Islândia e da Nova Zelândia o 3.º país mais seguro do mundo.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2019, "no ano de 2019 registou-se um ligeiro aumento da criminalidade geral e da criminalidade violenta e grave. A criminalidade geral registou mais 2.391 participações (333.223 para 335.614), o que corresponde a um aumento de 0,7%. A criminalidade violenta e grave registou mais 417 participações (13.981 para 14.398), o que corresponde um aumento de 3%".

Sucede que entre os crimes violentos está a chamada violência doméstica que cresceu 11,4% em 2019 e que talvez exija uma especial atenção.

Em todo o caso e voltando ao tema de início, sob o ponto de vista filosófico, não acredito que haja "pessoas más" para todo o sempre. Acredito na possibilidade de regeneração do ser humano e a liberdade é algo que é constitutivo da nossa natureza. Eventualmente deveria haver uma forma qualquer obrigatória dessas pessoas libertadas ao fim de muitos anos serem acompanhadas, por um lado para avaliar do seu estado de reintegração na sociedade, por outro como forma de assegurar que não possam voltar a cometer crimes violentos. 

Outra coisa é, naturalmente, casos patológicos, doentes mentais violentos, que possam ser um perigo para a sociedade. A eles, a lei diz que se aplicam "medidas de segurança" e, se se comprovar que a sua libertação pode representar perigo para a sociedade, eles podem e devem ser mantidos afastados com essas medidas. 

Lembro-me do meu amigo Pe. Dâmaso Lambers (conhecido como o "padre das prisões) e da sua vida dedicada às cadeias e aos reclusos. Ele amava os reclusos como filhos de Deus. Tratava-os como os seus rapazes, vendo que eles tinham algo de bom neles. Prefiro talvez a ingenuidade que tenta encontrar o bom no outro do que o tratamento "olho por olho, dente por dente", que pune impiedosamente sem ver no infractor alguém a quem lhe resta ainda humanidade e capacidade de amar, mesmo que muito escondida. 

Nesta questão naturalmente não nos podemos esquecer das vítimas, mas o não esquecer as vítimas não nos pede que punamos de forma impiedosa, esquecendo que o infractor é uma pessoa e que deixá-la a "apodrecer" o resto dos seus dias na prisão é também uma agressão que matará toda a esperança. 



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