Mapas

A nossa apreensão da realidade é sempre uma aproximação e, nos últimos tempos, dei por mim em pensar que teria que escrever algo sobre isto. 

Quando somos crianças, temos uma ideia do mundo um tanto ou quanto distorcida, não percebemos as relações de força que existem - somos facilmente vítimas de alguns enganos.

A construção dum mapa da realidade é um processo que se faz juntando as pecinhas do puzzle, uma a uma, pacientemente ao longo de muitos anos: fenómenos que nos surpreenderam, que não entendemos na altura, têm sempre uma razão de ser e, assim, o nosso retrato da realidade vai-se compondo, tornando-se também mais complexo e mais colorido. Há certamente momentos de espanto, de incompreensão - por vezes aquilo que considerámos uma virtude, aparentemente esconde fragilidades que só mais tarde vêm à superfície... e vice-versa, aquilo que pensámos ser um defeito que acusamos nos outros, é uma qualidade que não vimos.

A mim aconteceu que na infância ou juventude formulei certas imagens muito fixas de certas pessoas e, mais tarde, aprendi a mediar a leitura com outros dados, que colocavam as coisas no seu devido lugar.

É assim que também percebemos que, por vezes, são as pessoas mais discretas e menos efusivas de quem teremos mais a aprender e com quem nos vamos sentindo melhor. Aquelas pessoas que são afinal mais confiáveis e que podem parecer numa primeira abordagem menos convidativas e com arestas mais agrestes.

Não é que no nosso percurso, aquelas pessoas que antes idolatrámos e que foram significativas deixem de ter importância aos nossos olhos. Mas somos um pouco como as rãs ou as borboletas, vamo-nos metamorfoseando em seres cada vez mais complexos. Crescer é isso. Temos a memória do que fomos em "girinos" ou em "lagarta"... e a "rã" ou a "borboleta" que agora somos também contém em si esse girino ou essa lagarta, mas deixou de ser só isso.

Diz-nos Scott Peck num livro de que gosto bastante ("O Caminho menos Percorrido"): "Primeiro, não nascemos com mapas; temos de os fazer e fazê-los exige esforço. Quanto mais esforço fizermos para apreciar e compreender a realidade, tanto maiores e mais precisos serão os nossos mapas. Mas muitos não querem fazer esse esforço. Alguns deixam de o fazer no fim da adolescência. Os mapas deles são pequenos e mal desenhados, a sua visão do mundo estreita e enganadora. No fim da meia-idade, a maior parte das pessoas desiste. Têm a certeza de que os seus mapas estão completos e que o seu Weltanschauung está correcto (na verrdade, até sacrossanto), e deixam de se interessar por novas informações".

O mapa da realidade pode assemelhar-se aos portulanos que se fizeram quando o mundo ainda era desconhecido e se traçada o mapa das costas à medida que as mesmas iam sendo desbravadas, contendo sempre mais e mais detalhe. A percepção da realidade e as ferramentas que vamos tendo para a percepcionar melhor permitem-nos ir sempre preenchendo esse enorme puzzle de mais elementos. 

Durante a oitava cruzada, em 1270, a frota do rei Luís de França deixou Aigues Mort rumo a Túnis quando uma tempestade repentina nas proximidades da Sardenha os obrigou a se refugiar na baía de Cagliari. O rei queria saber onde eles estavam e os marinheiros trouxeram-lhe um mapa para mostrar a prosição. Esta é a primeira referência conhecida ao uso de um mapa num navio em alto mar.

Por vezes pensamos que são as praias de palmeiras que melhor servem os nossos interesses, mas mergulhar na realidade obriga-nos a perceber que em águas mais tépidas também se escondem alguns animais vorazes, de dentes afiados...

  



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