"Trouxas" e "espertos" - o que são bons impostos?!
Devemos pagar impostos ou podemos evitar pagá-los?
Há muitos que se queixam que pagamos impostos a mais.
Ultimamente sinto na minha pele essa situação, de pagar uma carga enormíssima de IRS.
A questão não é fácil e as fronteiras são ténues, sendo difícil descobrir onde está na realidade a ética e aquilo que é aceitável. Pagar impostos quando tal representa quase um confisco e querer fazê-lo pode parecer um absurdo, ou se é estúpido ou se é "trouxa" e posso até justificar que não os pago - e que tal é até mais eficiente para a economia, porque depois "devolvo" o dinheiro à economia.
No entanto, devemos pensar também se não está instalada uma cultura de maximização do lucro e dos ganhos, em que o sucesso das pessoas está demasiado ligado ao sucesso económico. Em que o que é importante é sermos "espertos".
Será mau mentir ao fisco?
Será eticamente condenável encontrar mecanismos como o de ficcionar uma "morada própria e permanente" para não pagar uma mais-valia numa transacção em que o estado come como que uma fatia grande do ganho? (a cerca de 50% aplica-se a taxa de IRS, que poderá ir até quase 50% de taxa, o que equivale a quase 25% do ganho).
Na análise desta questão coloca-se naturalmente o que é que se entende por "morada própria e permanente", que é uma expressão legal que não está devidamente densificada pela lei, o que é o caso.
Nesta, como em todas as questões éticas, o primeiro passo é naturalmente ter todos os dados e desenhar bem a situação. Compreender os contornos do assunto, da realidade, e também perceber não apenas o que diz literalmente a lei, como a ratio legis, o que pretende a lei, o objectivo da lei. Devemos pensar em todas as soluções possíveis e não naquela que resulta dum automatismo, que nos impele a sermos "espertos". Podemos até verificar que é possível repercutir esse valor no mercado, no preço, sem ser necessário problematizar muito se o Estado usa bem ou não o dinheiro dos contribuintes, o que não deixa de ser sempre um raciocínio rebuscado...
Talvez seja bom não nos apressarmos com respostas e, mais do que isso, o que me interessa aqui é pensar um pouco sobretudo em questões de fundo.
Esta semana assisti a um excelente programa na RTP2 intitulado, "O que é um bom imposto?" Trata-se de um programa de um jornalista francês que coloca essa questão e que se lança numa demanda não apenas em França, como pela Europa. Partindo do seu país, onde reina um sentimento de uma certa impotência por se ter uma altíssima carga fiscal sem que se perceber bem para onde vai o dinheiro do pagamento dos impostos, o jornalista e narrador do programa dá um salto à Grécia e outro à Dinamarca, dois países da UE onde os contrastes são por demais evidentes. Na terra dos Helenos, desde o Império Otomano que permanece uma cultura de aversão aos impostos, algo que vinha de fora; na Dinamarca, um dos países que tem também uma alta carga fiscal, as pessoas sentem-se na generalidade felizes (é o país do mundo que tem a mais alta taxa de felicidade, se é que isso se pode medir...). A conclusão é de que as pessoas pagam, mas recebem um alto retorno do que pagam (bons serviços públicos) e sabem para onde vai o seu dinheiro (há aquilo que se chama "accountability"). No que diz respeito a esta questão da "accountability", um estudante universitário mostrou um documento tipo recibo de bolsa, em que o Estado dizia quanto é que custava aquele estudante por mês e por ano (o estudante ficava a saber que embora nada pagasse para estar a estudar, aquilo tinha um custo para a sociedade). Naturalmente que estas coisas têm importância para a consciencialização dos cidadãos e é também por isso que se explica que o grau de confiança mútua em sociedades como a dinamarquesa é altíssima, favorecendo assim a responsabilidade e o cumprimento das responsabilidades de cada um.
Assim vemos que a cultura e a mentalidade subjacente são factores muito importantes na gestão política. Não basta ter boas ideias - por exemplo uma ideia de melhoria técnica de certas particularidades tributárias, é preciso perceber como aplicá-las e o método e a forma como o fazemos é tão importante como a própria ideia em si. Uma preocupação em criar uma relação mais transparente, menos distantes com os contribuintes, seria conveniente para reforçar a confiança. Daria certamente frutos.
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