A nossa direita explicada em linguagem de apicultor



Vou-vos falar de 2 colmeias que tenho no jardim frente a minha casa. 

Uma delas está bem ao centro do jardim (embora algumas discussões já tenha havido sobre onde exactamente deveria estar), é uma colmeia que produziu  um mel saboroso, de rosmaninho. 

Na sua origem era constituída por activas abelhas, apostadas em trabalhar de forma honesta e empenhada. Mas nunca foi uma colmeia muito numerosa - talvez porque nos tempos em que se tentou no apiário criar uma regra de que todas as abelhas fossem obrigadas a depositar o mel para ser distribuído por todas as abelhas, para que todas pudessem ter a mesma quantidade, esta colmeia disse que preferia continuar a fazer como sempre fizera: quem quer produzir mais merece ganhar mais; quem não quer produzir tanto, que não importune as demais (e não as obrigue a dar-lhes o mel que outras produziram com o suor do seu trabalho). Ora isto não caiu bem, porque quase toda a gente era na altura a favor dessa regra... 

Por outro lado, uns anos atrás, a rainha duma outra colmeia conseguiu convencer os consumidores que o melhor mel era o de laranjeira, e isso fez que nunca se tivesse conseguido criar uma grande colmeia. E, em poucos uns anos, as pessoas pura e simplesmente  começaram a preferir o mel da flor da laranjeira. E foi aí que se deu o grande anátema, que marca até hoje esta simpática, mas nem sempre compreendida colmeia...

O mel de rosmaninho obriga a longas viagens e muitas abelhas de outras colmeias dizem que elas só queriam era agradar a certas pessoas, as que são muito chiques e se vestem muito bem, com fatos caros e jóias reluzentes - e que seria por isso aliás que nunca quiseram aquela regra de distribuir o mel equitativamente. Mas, na verdade, não é bem assim e isso é muito injusto: havia gente simples que também gostava desse mel. No entanto, o que se passou a dizer no jardim cada vez mais quando se fala dessas abelhas, é que esse era um mel apenas do passado; na realidade, no passado, já se tentou produzir outros tipos de méis e se aceitou também trabalhar com a colmeia que fica ao pé da laranjeira, a fim de poderem fazer uma frente comum. 

Acontece que, hoje, a maior parte dos consumidores pouco percebe que haja quem apenas queira mel de rosmaninho; acha-o até um pouco fora de moda. Mas na minha opinião, hoje produzem-se muitos méis, alguns um tanto ou quanto adulterados, com aditivos, água e alguns deles até corantes, é bom dizer-se...

Vieram também as alterações sistemáticas (provocadas pelo sistema climático mais alargado) e, com elas o calor, e a maior parte das abelhas acha que é melhor serem alimentadas de fora, com um xarope feito de açúcar, que é ministrado em doses cavalares.

Muitas abelhas da colmeia que queriam o rosmaninho foram morrendo, outras afastando-se da vida mais activa. Mas também outras começaram a dizer que está tudo mal, a querer fazer golpes palacianos, isto é a tentar criar novos favos reais... 

Há pouco tempo uma nova abelha rainha, muito jovem, quis relançar a missão de irem novamente atrás do rosmaninho, mas zangou-se com muitas outras que estavam do antigamente e que nunca acharam que aquela abelha viria a ser rainha. Há um grande desnorte de norte nesta colmeia. Há quem diga que devem ir pedir asilo a outras colmeias, outras que devem tentar enxamear para uma outra árvore (talvez quem sabe fazer uma nova colmeia), outras dizem que quem tem razão é a rainha, outras que é uma outra abelha que fez carreira no espaço do jardim, que se destacou por uma carreira de várias conquistas e que se deve expulsar a rainha. Mas há quem diga que essa abelha que quer ser rainha já não quer nada com o rosmaninho... 

Em suma, os partidos desta colmeia estão cada vez mais partidos, as abelhas desta colmeia estão há muitos anos apenas a aprender a dividir. 

Perto desta colmeia existe uma outra colmeia, não muito afastada duma laranjeira, uma árvore de rica flor, que dava um mel bastante apreciado pela generalidade das pessoas. É uma colmeia bastante mais numerosa que a primeira, por vezes nela reina uma grande confusão, uma grande efervescência, pois nem sempre se entendem. Como é uma colmeia grande e em geral as suas abelhas trabalhadoras, tem produzido bastante mel. Mas nem sempre um mel de qualidade uniforme.

Normalmente, as abelhas rainhas desta colmeia têm uma certa tolerância, pois há abelhas que querem ir colher néctar dos roseirais e dos cravos que existem nos canteiros, há outras ainda que querem ir colher mais para os lados do rosmaninho. Desde que não levantem muitas ondas e, sobretudo, não ponham em causa a rainha, não advém grande mal à colmeia. Diga-se aliás, em abono da verdade, que tem sido um néctar multifloral o mel desta colmeia (embora na etiqueta dos frascos sempre se diga que é de laranjeira). Diga-se também que por ser uma grande colmeia, por vezes acontece que haja uns zangões muito preguiçosos, que se encostam, que são especialistas em jogos de bastidores, enquanto ainda algumas abelhas se façam aos campos para extrair o néctares e corram alguns riscos. 

Há geralmente muitas activas e brilhantes abelhas nesta colmeia, que se aventuram a tentar voar alto e longe. Normalmente é em grandes confrontações que estas activas e brilhantes abelhas conseguem convencer as outras abelhas para que as escolham a elas para liderar a colmeia. E é assim: contam-se as "espingardas" das fiéis à rainha e das que lhe disputam o poder. E digladiam-se. Creio que é isso que se irá passar agora com esta colmeia, oiço um grande zum-zum. 

Uma dessas activas e brilhantes abelhas diz que se fez pouco e que tudo tem que mudar. Adivinho uma escaramuça em breve. Não vai ser preciso comprar bilhete, já estamos todos a preparar-nos para assistir a isso no jardim. Ganhará a abelha rainha, ou sairá vitoriosa a candidata a nova rainha, que expulsará a antiga com as suas garras afiadas?! 
 
Nos últimos anos tem feito muito calor. As abelhas todas em geral têm sofrido com isso, a não ser aquelas que gostam de ser alimentadas com o tal xarope. Tem-se produzido menos mel de rosmaninho e de laranjeira. Mas isso também se deve à paragem geral das abelhas pois as abelhas realizam algo muito importante: polinizam as árvores e as plantas. E há que voltar a convencer as abelhas a partir, mas ninguém sabe ainda bem de que forma e para onde. Enquanto isso acontece há um grande zum-zum... 

Nas duas colmeias ensaia-se a luta. Numa delas, não se sabe o que sobrará, talvez não mais do que o número de efectivos que se conta num vespeiro. Na outra, o zum-zum é intenso e não conseguimos ainda prever o que se passará... 




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