Paradise de Fauré
Diz-se que Steve Jobs depois de ter voltado para a Apple decidiu abandonar uma série de projectos, a fim de concentrar a actividade da empresa naquilo que era mais importante.
Na nossa vida vamos constantemente criando projectos e mais projectos, dividindo-nos sempre em mil e uma coisas - e acabando por perder o foco.
Há um livro de que gosto muito, que leio em francês, dum autor religioso, o Pe. Michel Quoist - "Réussir". Deu-me a minha avó, terá pertencido a um tio meu, o tio Duarte.
Uma das coisas que este livro defende é que é muito importante que nos saibamos concentrar. Primeiro parar, para nos concentrarmos, a fim de que possamos decidir para onde vai a nossa vida. Fala no poder da lupa, que concentra os feixes de luz num ponto ou, em contraste, das forças desgovernadas dum cavalo que, se não tiverem reunidas, representam um enorme desperdício de energia.
A questão do desgoverno, é uma questão mental essencialmente, tem a ver com a forma como vivemos, onde aplicamos o nosso tempo e o que ele faz connosco.
Um dos livros que também tenho lido é dum autor espanhol, o Pe. Ignacio Larranaga, a "Arte de ser Feliz", que nos diz: "Há três coisas que dançam na mesma corda: a dispersão, a angústia e a obsessão, actuando umas com as outras como mães e filhas, como causa e efeito. Só que por vezes é difícil saber quem gerou quem, discernir entre mãe e filha. Até as funções podem ser indiscriminadamente alternadas: tanto pode ser a angústia gerar obsessão, como a obsessão gerar angústia. De qualquer forma, é sempre a dispersão que origina, ou pelo menos favorece os outros dois estados.
As obsessões aparecem quase sempre encadeadas num terrível círculo vicioso: vida agitada em extremo, grandes responsabilidades, um ambiente de vida agressivo e opressivo.
Tudo isto provoca desintegração da unidade interior e grande perda de energias, obrigando o cérebro a produzir mais energia, com a subsequente fadiga cerebral.
Por sua vez a fadiga cerebral conduz rapidamente à fadiga mental, o que equivale exactamente a debilidade mental. E debilidade mental significa incapacidade de dominares os estímulos, tanto exteriores como interiores, de seres tu o dono do teu mundo interior, precisamente porque os pensamentos e as emoções mais desagradáveis se apoderam de ti, se instalam na tua mente sem razão nem motivo, e tomam as rédeas dos mecanismos da tua liberdade".
Tenho ultimamente pensado na extrema responsabilidade que representa a profissão de advogado, no elevado grau de stress que lhe está associado, na pressão dos clientes, das dificuldades da administração pública, do grau de dificuldade dos processos.
Alguém só vai a um advogado porque não consegue resolver determinada questão; o ponto aqui tem que ver com a forma como me deixou ou não "levar" por este caudal de negatividade que a profissão tem. No outro dia, um advogado com que me tenho cruzado profissionalmente dizia-me que lhe tinha acontecido uma das poucas notícias de que um advogado pode ter: o adiamento de uma sessão em tribunal! Há profissões em que as pessoas são certamente mais felizes como a profissão de músico, dum músico de orquestra por exemplo.
Creio que esta negatividade pode criar uma tensão interior em nós, que nos faz viver com os nervos à flor da pele. Parece que as nossas cordas estão numa tal tensão nervosa que basta tocar numa delas para soar um som que causa um ruído ensurdecedor e uma dor interior que não sabemos donde vem.
Ontem, ao final do dia, fui a um concerto. Tratava-se do Requiem de Fauré. Lindíssimo, de uma beleza serena.
Ora, depois dum dia de tantos assuntos de trabalho em que andamos a resolver mil e um problemas, aquele concerto colocou-me num estado de serenidade, de paz.
Parece um pouco irónico mas quase que diria que depois de andarmos pelo Purgatório, ou mesmo pelo Inferno, de repente chegamos ao Paraíso, justamente o nome do último trecho desta bonita obra de Fauré.
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