O que é ser contemporâneo?
A resposta a esta questão do que é ser contemporâneo, não pode ser dada em duas linhas.
Evidentemente que ser contemporâneo não é ter que se vestir de acordo com a última moda, ou ter ser extravagante ao extremo, levando ao exagero o que poderia ser considerado como indicativo de uma atitude progressista: dois brincos na orelha, tatuagem na ponta do nariz... Se na verdade, há em todas as sociedades aqueles que desafiam as convenções e pretendem abri-la a novas experiências, a questão reside em saber se aquilo que foi novidade em certo momento não acabou por ser apenas um epifenómeno, que, com o tempo, se tornou também algo ultrapassado por uma nova tendência, i.e. que estávamos apenas a falar em moda, muito mais que duma atitude de fundo que realmente fizesse mudar algo.
Uma das coisas que mais faz mudar a sociedade são os saltos tecnológicos. Com a revolução industrial deixa-se por exemplo de utilizar animas para a locomoção. Nesse sentido, quem não adivinhou que isso iria mudar para sempre a vida das pessoas não estaria bem sintonizado com os novos tempos que já se adivinhavam: lembro-me de visitar na Alemanha em Estugarda a fábrica da Mercedes e de haver uma citação do Imperador Wilhem II que dizia que acreditava no cavalo e que isso dos automóveis seria apenas um "fenómeno transitório"...
Enquanto que as modas são circunstanciais e se pode provar que o tamanho das saias vai descendo ou subindo com uma cadência previsível, o mesmo não acontece com os saltos tecnológicos, que vêm para ficar. Por exemplo, com a invenção do betão armado, a arquitectura ganha todo um conjunto de novas soluções, nomeadamente a possibilidade de grandes planos em laje, o que antes era impossível garantir, pelo que é a própria arquitectura que muda o seu paradigma - e já não fará muito sentido regressar a soluções ditas tradicionais, com telhados em águas ou outras soluções. Ou será que faz?! Aqui poderá estar um enorme paradoxo, pois vemos regressar nos nossos dias o Homem à natureza, com o avolumar das preocupações ecológicas: há aqueles que dizem que devemos é voltar a construir de acordo com as técnicas mais naturais, indo buscar os materiais do sítio e ressuscitar sabedorias ancestrais das técnicas construtivas e da arte de habitar. Por aqui se vê que não seja assim tão fácil dizer o que é contemporâneo e o que é "antiquado".
No entanto. não nos podemos ficar na dúvida: embora ser contemporâneo não seja por si só uma virtude, quer-me parecer que a ideia de contemporaneidade tem que ver com um processo histórico, com um diálogo que cada área do saber foi tendo, apresentando-se como o "state of the art" daqueles que são considerados pela comunidade. Podemos pensar em Picasso como alguém que acumulou o saber da área da pintura, mas que nesse confronto com o passado, acaba por realizar novas sínteses, criando uma nova forma de se pintar. O que nos devemos perguntar é se, independentemente do facto de todo o pintor desenvolver uma técnica, o que é que em cada momento histórico faz ou fez sentido como forma de expressão artística? Será que faz sentido alguém ainda pintar como um Rubens, um génio indiscutível? Não pode fazer sentido se for por mera oposição ao que é dos nossos dias, por mera oposição à arte contemporânea, uma atitude que diria ser tributária de um espírito de "Amish" que rotula o que é de hoje como maléfico e negativo.
A pergunta não é de fácil resposta: que função assegura a pintura? Fará sentido uma pintura figurativa? - se pensarmos bem, a fotografia dos nossos dias é em muitos casos figurativa.
Estou a lembrar-me por exemplo da fotografia de um Steve McCurry que, no seu exotismo e apurada estética, poderia bem estar numa sala de estar de qualquer casa mais vanguardista dos nossos dias, ou mesmo um Lindbergh, o mesmo que fotografa Giacometti e a beleza de corpos femininos de top models, o que bem demonstra que a fotografia, mesmo quando retrata um objecto físico concreto, procura captar mais do que a figuração. Aliás, a grande arte é sempre isso. Por detrás da figuração, o grande artista transmite a sua forma de olhar o mundo. Por aí também não se deve condenar a pintura figurativa, a questão não está aí.
Ser contemporâneo é ser-se um homem ou mulher de hoje, de forma aberta àquilo que são as possibilidades do presente, mas também sem ceder apenas ao que é de "moda2. Pelo menos na arte, o artista procura uma linguagem própria, um caminho seu, uma busca honesta. Negar as potencialidades de presente, como aquelas do passado, é como olhar apenas por um dos olhos.
O sentido da perspectiva é sempre dado pela visão integrada dos dois olhos.
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