A Senhora
Certa tarde, no crepúsculo, dum bonito jardim espreitei através duma janela para ver se via alguém...
Sentada muito direita com uma das mãos apoiada na testa, uma linda senhora, de faces rosadas e olhos fechados, mostrou-se diante de mim.
Pus-me a observar...
Nesse final de tarde de Outono, uma lareira expirava para a grande sala, dando um embalo constante àquela senhora imóvel, que se sentava por perto, naquele sofá.
A senhora respirava lentamente, por vezes movendo a sua mão esquerda, que sustinha a cabeça, ou ajeitando com a direita alguma coisa que guardava nela fechada e que eu não conseguia ver.
Pus-me, de seguida, a imaginar...
Embora já
escura a sala, aquele recanto da senhora à lareira dizia-me que ali havia vida - era, seguramente, uma casa de família.
E, então, na paz daquele rosto semi-cerrado, tentei contar uma história por cada um dos vincos na sua face, que uma vida já longa fora juntando.
Naquela sala iluminada pelo fogo da lareira, pus-me a imaginar todos os que cabiam no rosto daquela senhora: o seu marido, os seus filhos, genros, noras e netos. Nas crianças e adultos, na sucessão das estações, que habitavam aquele rosto.
E
imaginei toda a agitação alegre e feliz duma família grande.
E, enquanto imaginava tudo isto... a senhora moveu a mão da testa e posou-a, abrindo a outra mão e colocando um terço no regaço. Logo de seguida, fez o sinal da cruz.
Naquele momento percebi que ambos estivéramos a rezar em conjunto e que a senhora abençoara com o sinal da cruz a nossa oração.
Afinal, apesar das paredes que nos separavam, aquela lareira aquecia-nos a ambos. Por momentos cruzámos o nosso olhar e vi em toda a beleza o seu rosto, mas a escuridão de fora não permitiu que me visse. Melhor assim. Fiz o sinal da cruz e parti, levando no coração aquela Senhora e a sua abençoada família.
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