Coisas para arrumar na cabeça

O nosso cérebro é curioso. Existe nele uma tendência grande para a dispersão, para a indisciplina. É-me difícil seguir um fio condutor, pegar hoje no que foi o plano de trabalho do dia de ontem.

No ano passado, tinha muito a ideia de escrever um romance intitulado "Fred Pery, o advogado peripatético". Fui escrevendo algumas coisas, tentando fazer um plano coerente para o livro, acabei por ter muitas coisas escritas, desconexas, ideias difíceis de organizar.

É um livro que me apetece fazer desde há muito. Traduz-se numa espécie de ensaio romanceado daquilo que me parece poder ser a minha profissão de advogado. Ultimamente tenho pensado que a profissão dá poucas oportunidades para viver o lado solar da vida e que ser advogado é carregar apenas o fardo das coisas - do que não é positivo. Dos conflitos, dos problemas burocráticos, das dificuldades.

Frederico Pery é uma figura peculiar, pois em relação às coisas negativas da profissão não se deixa afectar por elas. Como consegue ele fazer isso? 

Uma das maiores tragédias do ser humano é a procrastinação. Quando se é organizado, as coisas são feitas no seu tempo próprio e vão-se tratando. Há um autor de que gosto muito que escreveu um livro que se chama "O Caminho Menos Percorrido" (Scott Peck). Nele, ele diz que há uma coisa que é muito normal no ser humano: temos a tendência de evitar o que nos faz sofrer; mas ele também diz que a única forma de resolvermos o drama da vida e avançarmos é justamente enfrentar as dificuldades. 

Conheço familiares meus que não são capazes de enfrentar as dificuldades da vida, que adiam problemas, que se calhar enterram a cabeça na areia, tal qual avestruzes.

Imaginar uma pessoa que é especialista em resolver problemas é talvez pensar no que será um advogado e há aqui que fazer toda uma ontologia. 

Um bom ponto de partida será dizer algo como "eu não tenho problemas, tenho desafios". Há quem diga que os adultos são crianças que deixaram de saber brincar; ora, a dinâmica do desafio coloca-nos num cenário diferente àquele de que os problemas são coisas inesperadas e que atrapalham a vida. Como aprendi num curso de pedagogia, o mau funcionamento deve ser encarado como uma coisa normal. Se considerarmos normal termos problemas, não abordaremos a realidade como um "monstro" que nos vai atacando, ficamos antes à espera que a realidade tenha alguns "monstrinhos", e que eles também fazem parte da realidade.

Normalmente para se resolver um problema a primeira coisa a fazer é... começar; antes de mais avançar, mesmo que não se tenha ainda o plano todo na cabeça. 

Neste meu projecto de romance muitas vezes pensei na figura de Tom Sawyer: naquele rapaz dinâmico e entusiasta, sempre cheio de ideias. De facto, na vida há que ter aquele entusiasmo de acordar e dar um salto da cama. A possibilidade de efabulação é importante na vida como será certamente na vida desta personagem "Fred Pery". Como consegue ele isso?

Ele está sempre à frente. Conseguiu-o através duma disciplina que aprendeu no ténis: o chamado "trabalho invisível", de que lhe falava o seu treinador de ténis.

Mas era também devido a uma capacidade de imaginação sem paralelo. Na sua família jogava-se a um jogo que era o "imagina". "Imagina que és um prego e que te querem usar para pendurar um quadro feio na parede..." "Imagina que dentro de 1 mês vais viver para uma ilha deserta..." "Imagina que apanhas um choque eléctrico que te faz transportar para o séc. XXIII..."

Um dos grandes dramas dos nossos dias é que deixámos de conseguir imaginar. Somos invadidos por tanta informação que não conseguimos sair do peso duro e pesado da realidade; a nossa principal arma julga-se que é a análise. Mas a principal arma para resolver problemas é talvez a imaginação. A IMAGINAÇÃO!

Na relação de Fred Pery com os seus estagiários o que quer é que eles saibam como resolver problemas. Qual será a melhor maneira de o fazer? Ser atento à realidade, mas não deixar afundar-se com os problemas. O que desafia Fred Pery é como é que se consegue desenvencilhar de todo e qualquer problema, assim como David Copperfield conseguia sair dum tanque de água, estando completamente atado por correntes!

Neste livro pretendia que Fred Pery revolucionasse a profissão. Como? Ele vai ser o bastonário da Ordem dos Advogados e vai introduzir todo um sistema novo de formação. Vai passar pela introdução do mentoring, uma nova espécie de patrono. 

Vai passar também pelo coaching, uma espécie de treinador constante. Vai passar por treino em "análise complexa de problemas" e por outras metodologias como os "mapas mentais".






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