A arte do encontro
Estes encontros interessam-me, enriquecem-me. Essa noite foi uma noite boa.
Esta semana, em casa dos meus pais, nesta linda serra de Sintra, vi um programa notável da NETFLIX: "Histórias duma geração, com o Papa Francisco". É uma série de 4 curtos episódios onde se concentram histórias humanas de uma enorme densidade. Vai-se ao essencial.
Há uma candura no Papa Francisco. Simplicidade. Gosto nele, ele ser aberto ao outro. Em todas estas incríveis histórias de amor, de entrega, de persistência e de bondade, nunca se escrutina a ortodoxia dos caminhos. Martin Scorcese é um divorciado. Diz o Papa que quando se encontraram pessoalmente Martin Scorcese disse que o mais importante da sua vida estava ao seu lado. A mulher doente, a mulher que ele ama. É isso que conta para o Papa Francisco. Ele não foi estudar a vida de Martin Scorcese para ver se poderia apadrinhar um projecto de filme como este. A entrega do Papa Francisco é simples, desarmada. Não lhe cabe a ele julgar. Não coloca barreiras à sua capacidade de amar. E isso é muito bonito. Estávamos habituados ao Papa como o Chefe da Igreja, o que aponta caminhos e o que estabelece a ortodoxia. Com ele é diferente. Francisco é um amigo que se senta connosco, que se cruza connosco. Não fosse ele Papa, talvez não déssemos por ele: não é especialmente carismático, bom orador ou eloquente, especialmente brilhante do ponto de vista teológico ou doutrinário.
Nas histórias que descorrem ao longo destes episódios, que se desenvolvem sucessivamente à volta do (1) "Amor", do (2) "Sonho, da (3) "Luta" e do (4) "Trabalho", há sobretudo a condição humana e a superação.
São pessoas de mais de 70 anos que encarnam cada um desses temas, duma forma tocante e em certos casos comovente. O amor de Martin Scorcese pela sua mulher doente, ou de um pai muito pobre e viúvo na América do Sul pelos seus dois filhos adultos, cegos, cujo sonho maior é tocarem o mar com o seu corpo, uma senhora de mais de 80 anos, antiga atleta e que continua a saltar de pára-quedas em afirmação convicta do seu amor pela vida, mesmo depois de ter perdido o seu filho. Há muito aqui a coragem de quem assumindo a perda vai à luta: as mães que perderam os seus filhos em regimes ditatoriais e que sublimam as suas perdas reforçando a sua entrega. Ou a coragem da etíope que recusa um casamento de conveniência na sua aldeia e que aterra na cidade - e com uma enorme força interior, se vem a notabilizar como artista de prestígio internacional. Perpassa o sentimento do mistério da vida, da sua imprevisibilidade e ficamos enternecidos pelo Ser Humano, pela sua capacidade de nos batermos. São retratos de pessoas resilientes. Ressoa uma certa "fezada", um "tenir" como se diz em francês. Não se fala de fé: é mais a força que diz, "avancemos!" É o IF de Kipling.
As pessoas são interessantes. Ou por outras, afinal todas poderiam sê-lo. Infelizmente nem todas são realmente porque há quem não viva a vida como uma descoberta. Há quem viva apenas numa dimensão rasteira, sem transcendência (e a transcendência pode neste caso ser apenas profundidade).
E a vida é Encontro. Dizia Francisco nessa série que os velhos precisam dos novos. Eu diria que precisamos todos uns dos outros. Eu precisei daquele jantar, como precisei do almoço. Mas a Maria ao telefonar e a convidar-me quis que eu fosse presença na vida dela. Somos todos presenças nas vidas uns dos outros.
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