"Lobo solitário", ou será antes "lobo dos mares"?!
Há uma necessidade em mim de me reunir com/na escrita. É coisa de que que preciso, como se só depois de com ela marcar presença conseguir acalmar o meu agitado coração.
Revelo-me nela em toda a minha verdade, em toda a autenticidade: é como um desfiar da linha dos dias - e a vida vai acontecendo, deixando um lastro, como navio em alto mar.
Temos sempre tendência para ir vendo esse lastro que ficou do trajecto feito; e podemos também angustiar-nos ao mirarmos para a frente e não conseguirmos vislumbrar a terra firme. Tudo é vasto e fica-nos um sentimento de desamparo: para onde vamos? Estaremos apenas a vagar no oceano, sem rumo?
A escrita é esse exercício de olhar para dentro do navio e nesse dentro nos cruzarmos com o marinheiro, para lhe emprestar uma voz para se dizer de si. Recentramos o olhar onde ele tem que estar.
Certamente que o lastro da sua vida se apaga como o rasto do seu navio - mas sem essa voz o marinheiro não existe.
Como diz Tolentino de Mendonça, na vida de cada um precisamos de um reconhecimento ("Nos Passos de Etty Hillesum", Filipe Condado e José Tolentino de Mendonça). O lastro é o que fica fora e dessa imensidão do mar só pode ficar uma certa angústia por parecer tão ténue a passagem e tudo afinal se apagar.
A escrita retoma o tempo interior do marinheiro frente ao mar incerto.
Acabada de ler a biografia de Agustina Bessa-Luís, da autoria de Isabel Rio Novo, livro intitulado "O Poço e a Estrada" (Contraponto 2019), identificamos uma mulher que vivia toda ela da-e-para a escrita.
Entendo bem nela que ela se sentisse incomodada por, em certas ocasiões, ficar cansada de estar com "pessoas", e a necessidade de sair do convívio dos outro, se isolar... Isso não é feito sem se pagar uma factura. Quem escreve é sempre um certo lobo solitário. Ou será antes um lobo dos mares?!
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