Hilaritas
Quando saímos do discurso técnico, frio e impessoal e nos remetemos a dar sentido ao que comunicamos, passamos a dizer algo.
O emprego de metáforas é um exercício tão importante quanto difícil, pois exige que consigamos apreender o sentido de uma situação, normalmente complexa e que pode não ser fácil de ler à primeira vista, o que requer não apenas capacidade analítica, como ainda criatividade e poder de síntese.
Na política, compreende-se que um Secretário de Estado use mais a linguagem técnica, mas não que um Ministro o faça. Um Ministro deve ter um projecto, que pode passar por dominar a técnica, mas depois ele tem é que ser um mestre na comunicação e levar os outros a aderir às suas ideias. Acontece que hoje temos muito mais técnicos na política - e nem sempre bons - e que não convencem bem, porque lhes faltam ideias (a propósito disso, para a semana parece que Paulo Núncio e Cecília Meireles falarão num hotel em Lisboa e gostava de ir para perceber a sua densidade para além de técnicos...; não conheço bem Pedro Nuno Santos, mas temo que se esteja a falar dum homem tipo Sócrates, um homem que não tem medo de decidir e que é dinâmico, só que resta saber se será um homem consistente e que não será mais um "anjo" da província alçado ao Olimpo partidário, mas cuja queda Camilo Castelo Branco já narrou).
Fechado o parêntesis, os líderes são pessoas capazes de unir os outros à volta dum projecto, duma ideia porque transmitem valores.
Se pensarmos em pessoas como Winston Churchill, ele era alguém que sabia bem empregar a força das imagens e não tinha ilusões. Além dos sacrifícios que pediu ao povo britânico - com emprego de imagens como "lutaremos em terra, no ar e no mar" e que se pedia "sangue, suor e lágrimas", mas que "we shall not surrender" e que no fim "venceremos" - é dele ainda, por exemplo, a imagem da "Cortina de Ferro", termo que acabou por retratar uma realidade. No entanto, o interessante nele é que ele não era apenas mestre das grandes batalhas e no dia-a-dia (quando não estava com o seu "black dog", expressão que significava a sua latente tendência para a depressão) era pessoa de bastante wit e graça. Nem podia ser de outra maneira.
Outro homem assim era Abraham Lincoln, talvez mais ainda que Churchill, um grande contador de histórias, amado pelo sentido que tinha do cómico e da capacidade que tinha para pôr as pessoas a rir, seja em "pequeno comité", seja nas grandes assembleias. Um homem de grande inteligência, arguto, deveria ser para os advogados, ainda nos nossos dias, um exemplo. Para mim é, pois tinha um sentido apurado dos significados das coisas, sabia ligar os factos e perceber as linhas de força em acção. Estudava os assuntos aprofundadamente e tinha um método muito próprio de trabalhar, pois num determinado assunto lia e atirava o que não interessava para o chão, era um tanto ou quanto desarrumado externamente, mas ia conseguindo arrumar bem a sua cabeça... E depois tinha uma memória prodigiosa.
Frederico Pery fascinou-se com a figura de Abraham Lincoln quando estudou nos EUA e visitou Forte Sumter. Também era um homem imaginativo e, à semelhança de Lincoln, para cada situação, estudava bem toda a envolvente e preocupava-se por resumi-la em poucas linhas, percebendo os principais actores de cada história e os segredos escondidos de cada alma! Ele pensava: "de que vale a vida, se não guardamos dela algo de bom, a alegria profunda que requer sempre distância aos acontecimentos? Guardar a alegria é o projecto e as metáforas jogam nela um papel importante".
Diz Shakespeare:
O mundo é um palco; os homens e as mulheres,
meros artistas, que entram nele e saem.
Muitos papéis cada um tem no seu tempo:
Sete atos, sete idades. Na primeira,
nos braços da ama grita e baba o infante.
O escolar lamuriento, após, com a mala,
de rosto matinal, como serpente
se arrasta para a escola, a contragosto.
O amante vem depois, fornalha acesa,
celebrando em balada dolorida,
as sobrancelhas da mulher amada.
A seguir estadeia-se o soldado,
cheio de juras feitas sem propósito,
com barba de leopardo, mui zeloso
nos pontos de honra, a questionar sem causa,
que a falaz glória busca
até mesmo na boca dos canhões.
Segue-se o juiz, com ventre bem forrado
de cevados capões, olhar severo,
barba cuidada, impando de setenças
e de casos da prática; desta arte
seu papel representa. A sexta idade
em mangas pantalonas, tremelica,
óculos no nariz, bolsa de lado,
calças da mocidade bem poupadas,
mundo amplo em demasia para as pernas
tão mirradas; a voz viril e forte,
que ao falsete infantil voltou de novo,
cheia e sopra ao cantar. A última cena,
remete desta história aventurosa,
é mero olvido, uma segunda infância,
falha de vista, dentes, gosto e tudo.
Vivamos com alegria!
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