Na simplicidade, a beleza
Uma das características que quem conhecia Eduardo Lourenço nele apreciava era a simplicidade. Num programa que passou recentemente na televisão, um autarca que falava da terra de Eduardo Lourenço dizia que essa qualidade era própria dos grandes homens.
A simplicidade é rara. Porque ela tem que ver com
deixarmos o supérfluo e nos centrarmos no essencial.
Um amigo meu, o Gonçalo Martins Barata, há cerca de 10 dias fez em frente da Sé de Elvas uma brilhante dissertação sobre os estilos arquitectónicos, desde o Românico até ao Romantismo. São verdadeiramente diversos os estilos que na história e, na nossa em especial, foram tendo as igrejas. Também há tempos conversava com um amigo jesuíta, arquitecto e especialista em litúrgia, sobre os espaços das igrejas, e ele me dizia que, tão importante quanto a parte espiritual, era o sentido de comunidade que o espaço pode permitir, dando o exemplo, da Capela do Rato.
Relembrava-me também o Gonçalo uma história de Filipe II de
Espanha, que aos se tornar rei de Portugal fez uma visita ao simplicíssimo/senão austero Convento dos Capuchos, na Serra de Sintra, e disse que finalmente tinha agora os
dois templos mais importantes da Cristandade: o mais majestático (o Convento do
Escorial) e o mais humilde e despojado (o Convento dos Capuchos) e que, depois, terá perguntado a um frade se precisavam de alguma coisa, que ele estaria ali
para conceder tudo o que fosse necessário para prover à vida dos frades, tão pobres. O frade pediu então rei para esperar um pouco e foi à cozinha: “Irmão, temos
que comer hoje à noite?” Tendo respondido o frade cozinheiro que sim, o frade retorna ao rei e
diz-lhe: “Sua Majestade, muito obrigado, parece que não precisamos de nada!”
Se reflectirmos à volta do nascimento de Jesus e da forma como aconteceu, vemos o Filho de Deus, numa manjedoura, numa gruta, um espaço encontrado no meio da noite, sem luzes de candelabros, nem escadarias de mármore ou tapetes persas. É assim, na maior das simplicidades que vem ao mundo Jesus, o nosso salvador. É certamente no olhar amoroso de Nossa Senhora, no cuidado de S. José, na ternura do ambiente que se sente essa luz que ilumina, que não serve (tão discreta e simples ela é) para calar o ruído do mundo, mas que nos impele sobretudo a calarmos todos os nossos ruídos interiores e a colocar-nos numa atitude de contemplação. Essa luz simples irradia e torna tudo diferente.
Tal como contemplamos um
pequeno ninho na natureza, simples, uma mãe que alimenta os seus filhos e aí sentimos que
pulsa a vida, o primeiro gesto no presépio é contemplar... o segundo é o de adoração: adoração por sentirmos aí a força do amor, da verdade, mas também o quão é tudo tão frágil (dizia também o Gonçalo que certo dia o Pe. João Seabra terá dito que não é assim tão difícil proteger-nos da violência de quem nos quer mal, basta que ponhamos alarmes e muros altos; o difícil é tocar aquele coração e o converter - a verdade é sempre um convite, nunca uma imposição, por isso é também frágil).
Na simplicidade e no despojamento, no essencial e, na sua fragilidade, existe beleza. Por vezes, nos brilhos dos palácios das arábias ou das mansões de Hollywood há dourados a mais e o espaço não abre ao encontro de nós connosco, de nós com os outros. Há qualquer coisa de vaidade, de inverdade, que desvirtua as coisas.
O que é isso da "simplicidade"?
Segundo André Compte-Sponville (in "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes", Editorial Presença, 1995, pág, 165 e ss.), "... é em primeiro lugar uma virtude moral, ou mesmo espiritual. Transparência do olhar, pureza do coração, sinceridade do discurso, rectidão da alma ou do comportamento... parece que só podemos aproximar-nos dela indirectamente, através de outra coisa que não ela. Porque a simplicidade não é pureza, não é a sinceridade, não é a rectidão... Nota Fénelon, por exemplo «vêem-se muitas pessoas que são sinceras sem serem simples: nada dizem que não julguem verdade, e só querem passar por aquilo que são; estudam-se continuamente, compassam (medem com o compasso) todas as suas palavras e todos os seus pensamentos, e repisam tudo o qu fizeram, receosas de terem feito ou dito demasiado»". Mas, remato eu, não serão simples.
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