Côte d'Azur, a experiência derradeira do Interrail

A saída de Itália foi pela porta pequena: nada de comitiva de honra com banda a desejar-me felicidades e um regresso em breve. E, a Itália, caprichosa, ainda me faz o desmando de me dar como leito uma pedra que não diria fria - porque o bafo tem sido mais do que muito -, mas certamente duara em frente a uma porta da estação de combóios de Ventimiglia, o posto avançado antes da chegada em França. Ou seja, tratou-me com uma displicência que, honestamente, não estava mesmo à espera. E mais, não sei o que lhe fiz, porque além do leito duro, ainda tive por companhia até às 5h15 uma odiosa família muçulmana com um rádio com as últimas novidades artísticas do Magrebe a azucrinar-me a cabeça e a pôr à prova a minha santa paciência. 

Noite em claro; claro está com uma irritabilidade grande que daí advém... Logo que o 1.º combóio que partia para Grasse se apresentou, pus-me num ápice no 2.º andar do mesmo, tal qual o guia me avisava pois a vista para a Côte d'Azur era extraordinária e a melhor hora era a do nascer do dia. Mas não vi absolutamente nada, pois o sono e a vontade de me ver fora daquela estação fizeram-me entrar no combóio ainda em plena madrugada, muito antes do nascer do sol poder acontecer naquela costa tão bem-dita. Das estações porque passava, elas simplesmente se repetiam umas às outras. Podia porém distinguir volta e meia uma costa pelas luzes acesas das casas, mas apenas pude gozar o enorme prazer de reparar no "chique" da estação de Monte Carlo, todinha de ripas de madeira... a fazer lembrar um Spa nas montanhas dos Alpes, também todinho de madeira cuidada. E, com uma irritabilidade agravada pela oportunidade perdida de ver o golfo, apenas redimi-me com um plano de última hora de me atirar a uma praia para ficar bem dentro de água a curtir a ressaca de sono. E assim foi, pelas 7h00 da manhã, não era o 1.º a mergulhar nas águas tépidas do Mediterrâneo: uns turistas ingleses pelos vistos também tinham ficado sem dormir na Estação de Ventimiglia (mas curioso não os ter visto por lá...)

As horas foram passando e o pessoal do turismo foi chegando e às tantas já não tinha espaço para respirar no meio de tantos companheiros de praia e resolvi tomar um bom pequeno-almoço, e partir para Grasse, a capital dos perfumes (isto dos interrails tem uma coisa engraçada meio James Bond em que a um tempo estamos a carpir no meio do chão imundo duma estação de combóios ou a tentar tomar banho numa casa de banho cheio de bichos, para uma hora depois estarmos a entrar na capital dos perfumes... certamente por uma necessidade grande de manter a dignidade).

Mas os incidentes ferroviários não acabaram neste dia e com uns franceses simpáticos que comigo esperavam o combóio a perder já quase a compustura e - o que não é muito difícil neste povo, como sabemos - lá o mesmo chegou passado mais de 1h30.

Enfim, chegado a Grasse procurei um hotel onde estou agora bem instalado, a escrever. E, com uma capacidade de entendimento não a 100% e uma irritabilidade mais alta que o costume, ainda tive tempo para visitar uma fábrica de perfumes com uma explicação completa - excepcional, a Fragonard - e o Museu Internacional dos Perfumes.

Entretanto, na televisão assisti a um debate, Sarkozy não está morto e há muitos à direita que ainda o querem. Um documentário também sobre a religiosidade dos jovens franceses, naquele estilo muito laico que marca a França: parece que os jovens franceses têm cada vez mais sentido a necessidade de espiritualidade; um filósofo inteligente explicava, gostei, mas depois um imbecíl dum sociólogo tinha logo que inventar uma série de explicações com a de uma pseudo (palavras minhas) necessidade de "identidade comunitária". Um discurso para que já não há pachorra. Ao menos o referido filósofo, que se assumiu como ateu, falou com alguma isenção, o que não é muito costume na "intelligentsia" francesa bem-pensante. 
  

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