Sorrento e Capri

Dormi num albergue para estudantes na melhor cama desde há mais de 15 dias, um quarto também ele enorme, em St. Agnello perto de Sorrento. Uma família bem simpática é dona do negócio que tem a sua dependência principal em Sorrento e, quando não tem lugar aí, aluga ainda quartos em St. Agnello. O Sr. Pepino levou-me no seu Fiat 600 - a minha mala era quase tão grande quanto o carro (!) e explicou-me depois onde poderia jantar.
Pelas 8h50 do dia seguinte, o mesmo Sr. Pepino, mas agora numa carrinha de 9 lugares, esperava à porta do albergue para nos levar a Sorrento. Estava a ansiar por um bocado de mar depois dos dias de Nápoles, quentes e abafados... e mal cheirosos! Rumei pois para Capri, apanhando o barco no porto de Sorrento.
Costa de Amalfi, bem bonita, muito recortada e com falésias muito altas, mas com vilas mesmo ribanceiras. Os melhores hóteis, está-se a ver, são pois os que estão nestas ditas "ribanceiras".

De Capri, posso dizer que me encantaram duas coisas: as vistas impressionantes pois é muitíssimo montanhosa e há penhascos brutais com planos de vista fabulosos; e um local que percorri, a Via Krupp, um legado deste industrial alemão a Capri, um caminho que serpenteia por entre a encosta e que acaba numa baía - que tem uns rochedos chamados "Farogloni" - e onde nos vamos aproximando daquele mar azul turqueza do Mediterrâneo. Dei dois bons mergulhos, fiz o meu dia.
Quanto ao resto, posso dizer que trazia na "mochila" um trabalho de casa e que era tentar conhecer os locais por onde andara Henrique Pousão, pintor português de finais do séc. XIX. E vou contar porquê: o meu avô Nuno, que era um conversador, certo dia falou-me no Museu Soares dos Reis no Porto. É este museu que tem, entre outras, a peça o "Desterrado", que segundo o meu avô terá servido de mote a Unamuno para escrever sobre os portugueses. Se a minha memória não me falha, estive com o meu avô Nuno no Museu, de passagem para o Minho, onde íamos a um Baptizado. Nessa altura também me deu a conhecer Henrique Pousão, representado na parte de pintura do museu. Gostei muito e marcou-me essa descoberta, guiada pelo meu avô. Entretanto muitos anos passaram e quis o tempo que aprofundasse um pouco mais a vida desse homem. Morreu aos 25 anos. Muito jovem portanto. Tão jovem quanto Sebastião da Gama, poeta-professor ou professor-poeta - não sei o que deverá entrar em 1.º lugar. Ambos com doenças pulmonares. E, há semelhança deste homem profundamente ligado à natureza austera, mas preciosa da Arrábida, atingiu uma maturidade que muitos nunca alcançam em toda uma vida. E era um prodígio - faz-me lembrar quando em Barcelona fui ao Museu Picasso e lá vi os quadros que este homem fez ainda em criança; ora Pousão faz coisas ainda criança que são extraordinárias para a sua idade. Sendo tão bom parte para Paris, para estudar com Cabanel, uma referência, apoiado por uma bolsa de estudo. Mas o não se ter poupado ao trabalho e o clima de Inverno parisiense debilitam-no e é vítima duma doença pulmonar. O médico manda-o procurar o sul de França, donde temos alguns quadros. Mas também por indicação médica vai instalar-se em Roma, ficando no Instituto de Sto António dos Portugueses. Decide não frequentar a Academia de Belas Artes, pois quer tomar um caminho próprio. E é este caminho próprio que ele vem a descobrir com a luz de Capri e que os especialistas dizem fazer dele um percursor de Cézanne. Vejam-se as "casas brancas de Capri" e a força que têm estes dois quadros, a sua pureza simples e luminosa e percebe-se. A doença agrava-se e resolve regressar a Portugal, passando por Génova, Marselha, Barcelona, Valência, Sevilha e Vila Real de Sto. António até Olhão, onde vivia então seu pai. Segue para Vila Viçosa, em virtude dos seus ares serem mais propícios, onde fica em casa dum primo seu e contínua a pintar até morrer - muito pouco tempo depois.
Porque é que foi uma desilusão Capri? Porque deixou de ser um local rural, bucólico, para se tornar num local descaracterisado. Já não encontrei o Albergo Paradiso onde Pousão terá ficado hospedado, mas um edifício grande de apartamentos em seu lugar, mas que manteve o nome "Paradiso".
De volta a Sorrento, uso o mesmo procedimento da véspera, de pedir para tomar um duche. Esta família dona do albergo era de facto simpática e mostram-me o caminho para um quarto, o quarto 6 onde poderia sim tomar um duche antes de partir. Aqui dá-se na realidade a melhor parte do dia, pois tal não foi a minha surpresa, mas neste quarto estava um rapaz de headphones nos ouvidos e a mexer no seu computador. Fiquei surpreendido e perguntei-lhe se havia ali casa de banho com duche - não era evidente que houvesse. Sim. Fechei a porta da casa de banho e tratei da minha higiene pessoal. Ao voltar ao quarto é que tive uma conversa muito interessante com ele: era americano - tinha cerca de 22 anos, não mais do que isso e estava a aprender árabe na Universidade "porque agora era preciso", tinha estado 2 meses em Marrocos a viver numa família com o mesmo objectivo, ía estar agora uns tempos em Itália, iria visitar Pompéia e Roma e depois iria para Istambul. No ano anterior estivera em Omã...
Eu fiquei cego, surdo e mudo! Quê, um miúdo destes com 22 anos ou pouco mais, que atravessa o Oceano Atlântico, que vai para países que não nutrem um especial amor pelo seu e que ainda por cima vai sozinho. Bom é preciso ter coragem! E eu que já acho que por vezes é difícil estar assim a viajar sozinho, por amor de Deus!
Pouco depois, duas australianas simpáticas entram no quarto e converso também um pouco com elas. Tinham estado em Lisboa e gostaram muito.
Parto de volta para Nápoles, ainda bem sem saber onde pararei no dia seguinte!

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