Estados Unidos da Europa

Viriato Soromenho Marques tem vindo amiúde à televisão falar da Europa, assumindo-se sem quaisquer vergonhas como federalista. Admiro a sua coragem de ser um homem que rema um pouco solitariamente e acho que o faz convictamente, sem esperar aplausos e sem vaidade - e ainda bem que assim é. Mas não concordo com ele nessa sua posição federalista.
As indiossincracias entre a Europa e os Estados Unidos da América - que ele muitas vezes apresenta como modelo de federalismo para a Europa - são muito diferentes, sobretudo os tempos são diferentes e tenho pouca fé que hoje seja possível grandes mudanças históricas - posso estar redondamente enganado.
Ele diz que as realidades sócio-culturais eram muito diferentes entre os diferentes estados americanos, que fossem, até concedo. Ora o que sucede é que quando se dá o momento definidor da perenidade da América, o Estado era recente, e vinha dum passado sob domínio da Inglaterra. Do ponto de vista político, não havia uma identidade, ela estava em construção. E essa perenidade só se consegue com a persistência dum caminho que já havia sido trilhado de oposição a uma potência europeia que abusara do seu poder, e de um ideário novo baseado na liberdade. É isso que faz a força da América, que confere legitimidade aos Estados Unidos da América e que dão justamente orgulho aos americanos pertencer. É por isso que Lincoln é tão intransigente com a possibilidade da saída de algum/ns Estado/s, isso seria a dissolução dum contrato entre os "Estados Unidos da América" que decidiram unir-se para juntos serem a terra da Liberdade e em nome da força desse valor que é a Liberdade - desse valor absoluto, dessa sociedade nova que os Founding Fathers construíram, não se admitem concessões de espécie alguma. O Paraíso já não será Paraíso se se quiserem fazer outras idéias de Paraíso. Isso já não seria o Paraíso, o Paraíso é único e é feito tal como o seu Criador o fez, a sua idéia não pode admitir destaques, subtracções, etc. Isso seria uma contradição de princípio.
Ora a construção das comunidades europeias, que é um salto civilizacional extraordinário, arrancou da existência de Estados com identidades políticas fortes e de tradição de inimizade entre si. Portugal tem mais de 800 anos, a integração com Espanha sempre foi a maior ameaça da nossa história. Inglaterra e França andaram sempre "às turras". As duas guerras mundiais tiveram origem na Europa e tiveram que ver com a vontade de domínio da Alemanha.

Uma federação dos estados europeus só se faria com a participação dos cidadãos. Todos nós gostamos de ser europeus, mas não temos propriamente orgulho nisso, não sentimos isso como uma camada identitária, pois não há uma ideia comum da Europa: ela fez-se contra a guerra, é certo, ela é a terra de quê, da cultura? Ela é a terra de quê, dos direitos do Homem? Há muitas coisas que se associam à Europa, não há um núcleo de idéias coerente, tal como existe na América, que tem uma ideia central, a Liberdade, a que está associada a uma narrativa - e que até tem um monumento, a Estátua da Liberdade. Na Europa não há uma só idéia e basta ver que a própria França do Iluminismo não escolheu uma só idéia, mas logo três: Igualdade, Liberdade e Fraternidade.
Não estou a ver uma reorganização política da Europa, no nosso tempo de escrutínio, em que um Presidente dos Estados Unidos da Europa alemão quisesse mudar a política agrícola europeia e mudasse as suas regras, prejudicando a França que tem sido beneficiada com a PAC. "Caíria o Carmo e a Trindade".

Não estou a ver como fosse de outra maneira, só se fosse mesmo alguém muito querido pela comunidade dos europeus. E quem poderia ser? Bem, e teria que vir de fora... se calhar era melhor, para não ferir susceptibilidades. Quererá o Mandela oferecer-se para o cargo?! 

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