A luz

Hoje estive no Miradouro da Graça, espreitando a cidade de Lisboa depois duma volta demorada pela Feira da Ladra. Do alto, o busto de Sophia de Mello Breyner Andersen. Deveria gostar de se sentar por ali, gozando a luz de Lisboa em dias de Outono como o de hoje, espreitando os bairros e a diversidade do casario, nesse arrevesado de ruelas que, como regatos, serpenteiam e se cruzam entre si, desaguando na Almirante Reis; ou se esgotam, já sem energia e cansadas, em becos antigos, de paredes de cal desfeitas pelo tempo. 

Mas o amor a Lisboa de Sophia não foi imediato: 

"Quando eu era nova e vim para Lisboa senti-me longíssimo da praia porque no Porto vivia mais perto do mar. Não gostava de Lisboa, tinha uma grande nostalgia do Norte. Depois isso foi passando. E hoje gosto de Lisboa (…)". 

Nas escadinhas do Chiado e de S. Paulo vemos as vistas que Botelho deixou impressas nas suas telas com inegável beleza, as casas de tons variados irradiam luz. O rio omnipresente, mesmo que não presente (passe-se a contradição).

Diz José Gomes Ferreira: "Na primeira manhã que acordei em Lisboa - tinha eu quatro anos - vim brincar para a rua com outros garotos e apanhei uma pedrada que me marcou a testa para sempre. Na mesma ocasião, pegou-se-me aos olhos - habituados até então ao peso da luz de granito do Porto, minha cidade natal - esta sensação de asas de borboleta que é a luz de Lisboa e me tomou de vez na Calçada do Monte Agudo" ("Lisboa, na Moderna Pintura Portuguesa"). 

Gosto de me passear no Porto, naquele jardim romântico do Palácio de Cristal. Aquela esplanada, rodeada de árvores, um lago e camélias, donde se avista a foz e Gaia. 

Percebo o que diz Sophia Andersen. É também uma questão de escala. Lisboa é toda outra escala e temos que fazer a aproximação à cidade. Por isso é que é uma habituação e, por essa razão quem vem para Lisboa pode demorar tempo a gostar dela. 

Carlos Botelho torna Lisboa uma cidade da escala humana. É o conjunto singelo, a cidade que se alcança ali a dois passos, apesar da sua orografia. 

Num alfarrabista da Feira da Ladra que já conheço de outras andanças, estive a folhear um livro sobre Vieira da Silva e dele ressalta o cuidado que empregava em cada coisa. Ela gostava de muitas coisas que eu também aprecio. Paris certamente. Lisboa também. Amesterdão. Bretanha. Diz-se no livro que a Pátria dela seria a luz. Não há cidade tão bela quanto Paris. Passear por Paris num dia de Outono. Pelos Jardins du Luxembourg ou pelo Quartier Latin. Ou Amesterdão, os seus canais, iluminados.



  

Comentários

Anónimo disse…
Temos tendência em "procurar fora", em "procurar longe"...e tantas vezes, o que procuramos, está onde sempre estivermos.

Foi preciso apareceres em jornais e revistas internacionais,para olharmos para ti,para te vermos, para te reconhecermos... será que nos faltava confiança, para sem o avalo de mais ninguém,te assumirmos como uma das cidades mais bonitas do mundo?!

Quantos de nós passeiam agora por Lisboa, como se a visitassem pela primeira vez. Quantos de nós chegam à Ribeira das Naus, às Portas do Sol ou até mesmo ao Castelo, e ficam sentados como "os outros" turistas, a contemplar, a sentir esta CIDADE LINDA!! Sempre foste assim...mas agora a cidade pitoresca e bairrista de alguns, transbordou e encheu os olhos"Mundo".

Foram muitos os que te pintaram, os que te descreveram; como quem procura conseguir, num retrato/relato revelar a tua essência a tua energia. Mas só quem se deixa perder, por entre a tuas ruas, com as tuas "gentes", nos tantos becos e calçadas... é que vislumbra a tua essência a tua natureza, a tua identidade.

Não te estragues,não deixes que te estraguem...conserva-te assim por mais algum tempo; não tenho medo que mudes... só não quero que percas aquilo que agora todos procuram...e que sempre te fez diferente; a tua Alma, o teu Fado, a tua Luz!

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