Douro, terra trabalhada e habitada

O Alto Douro Vinhateiro é uma enorme área a nordeste da cidade do Porto classificada como Paisagem Património Cultural da Humanidade, paisagem esculpida a força de braços ao longo de muitas gerações. 

Como tinha um trabalho a fazer, que compreendia a necessidade de contactar vários municípios devido a várias propriedades espalhadas por 3 locais da área, decidi meter-me num comboio e ir para o Porto, onde fiz a minha base para as incursões.

A primeira impressão dos contactos nos Municípios é a da extrema gentileza das pessoas e algo que permanece - como o bom vinho, "sabor que fica na boca". Estive em Peso da Régua primeiro, onde cheguei pelo combóio que parte da Estação de S. Bento e que percorre a região vinhateira, com paragem em Peso da Régua. É um percurso de cerca de 2 horas, acompanhando em grande parte o rio Douro. Naturalmente, dada a importância de toda esta região na economia do Porto que estas linhas são já muito antigas, o que significa que as acessibilidades desta macro região rural são boas.

Ontem, já de carro, saí do Porto e desloquei-me em direcção a Lamego. Mais uma vez fui atendido com simpatia e amabilidade, com sorrisos e competência. Embora ache que conheço razoavelmente bem o nosso país, foi a primeira vez que estive em Lamego. Como tinha pouco tempo até à minha outra reunião em Santa Marta de Penaguião, resolvi voltar ao fim da tarde para conhecer melhor esta pequena cidade, que tem pelo menos duas coisas que deixam por completo qualquer pessoa de alma cheia: aquele Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e a Sé Catedral. Do primeiro, aquela escadaria monumental e o eixo da avenida são obra de alguém com noção de grande escala e que tentou, com enorme sucesso, criar um sentido de harmonia urbana, que em nada fica a dever a mestres italianos do barroco.

Uma nota que não posso deixar de dar mais uma vez: em Santa Marta de Penaguião voltei a ser muito bem atendido. Um arquitecto disponível com quem resolvi o assunto que aí me tinha levado: a avaliação dos condicionantes de uma propriedade no concelho; e depois ainda ficámos mais uma hora e meia a falar sobre em geral o potencial daquele Alto Douro Vinhateiro. Algo que tem uma identidade com mais de 250 anos de história à volta da cultura do vinho. A importância de criar sinergias comuns, com parcerias com outros municípios e pensar com sentido estratégico. Dizia-me ele que o Douro muda em cada estação, com as folhas das videiras e as diferentes castas.

Enquanto voltava e espreitava as vistas fabulosas para a Régua à beira do rio Douro e as faldas do Marão como pano de fundo, numa enorme manta de aglomerados, confesso que fiquei com uma certa inveja duma região onde o marxismo-leninismo não tem lugar e onde as pessoas se dão com franqueza e com hombridade, por contraste com outras geografias mais a sul, onde essa perigosa "filoxera" alastrou e cujos efeitos ainda se fazem sentir.  

De Agustina Bessa-Luís: "... não havia mais aquela glória cantante das vindimas, as tocatas na hora da pisa com chalaças dos homens que esmagavam o cacho no lagar, as pernas pintadas de vermelho, muito gritadores, jogando à quebra-cega, pedindo em coro aguardente e cigarros num alvoroço garoto, com muitos risos e muita asneirada à mistura" (Do conto "Mendigos", 1948). 




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