Visitado pela leveza





Lembro-me que, enquanto estudava calhamaços para a universidade, haver um pequeno pássaro, colorido, que se passeava pelo jardim, feliz e contente, que se movimentava ligeiro, vibrando a sua cauda em batidas rápidas para cima e para baixo. Um pássaro "traquina" - que ligeiro, contrastava com o peso dos meus calhamaços.

A alegria é ligeira. 

Scott Peck no seu livro "O Caminho menos Percorrido" diz-nos logo nas primeiras páginas que a vida é um conjunto de equilíbrios.

Embora não conheça bem a sua obra, Júlio Pomar afirmou um dia uma coisa na televisão ao receber um prémio que me deixou a pensar: "a alegria é a coisa mais importante que existe!" 

No esforço diário que empreendemos, por vezes esquecemos a importância de gozar as coisas, da simples alegria por existir. Esses equilíbrios de que nos fala Scott Peck são muito ténues. Um desses é saber na verdade se “vivemos para trabalhar” ou se “trabalhamos para viver”. 

O drama muitas vezes desta "Sociedade do Cansaço" de que nos fala Byung-Chul An é que vivemos quase como autómatas, deixámos de ter a capacidade de saborear as coisas (o sabor, tão importante que ele é...), pois muitas vezes exigimos demais de nós próprios, não nos permitimos descanso. 

Num ensaio célebre ("Seis Propostas para o Novo Milénio"), Italo Calvino dedica justamente o primeiro dos textos ao tema da leveza. Não há nada de vazio na leveza, porque ser leve é ser como o pássaro, não como a pena. O pássaro sabe para onde vai, a pena vai para onde sopra o vento!  

Muitas vezes pensei se aquele pássaro que me visitava não seria o próprio Espírito Santo, a brisa que refresca e que pinta de alegria os dias cinzentos dos nossos "calhamaços" diários... Quem se dedica às artes como Júlio Pomar, bem sabe que o sonho de todo o artista é o de viver nesse jardim das delícias, onde pássaros leves se passeiam e conversam com eles, em alegre convívio!


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